Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

De peregrino a hospedeiro.

Domingo, 7 de Novembro de 2010!

A viagem terminou, retorno aos poucos á vida social que tinha, reencontro-me com gente conhecida, acostumo-me aos velhos hábitos mas existem coisas que ficam.
Passou-se a semana a voar e tal como tinha convidado os amigos do caminho eles começaram a contactar-me confirmando a sua passagem aqui por Alcobaça, com vontade de ficar uns dias hospedados em minha casa, o que eu não contei foi que todos aparecessem num espaço de 24 horas.

Maxim foi o primeiro a chegar, pelas 15h, assim que se acomodou no beliche estava Julien a tocar á campainha. Num instante o meu pequeno apartamento ficou repleto de alforges, e a garagem de bicicletas, eh eh, foi bom ver o cenário fazendo-me reviver as emoções de viagem ainda em plena ressaca…



Embora eu saiba que as condições que os iria receber não seriam as melhores para o cidadão comum, estes hospedes eram diferentes, eu sabia como eles sentiam e pela minha experiencia tinha a perfeita noção que o nível de exigência deles é baixíssimo, só de terem um tecto em vez da tenda, com o conforto de um lar em vez de um albergue, luz, televisão, agua quente, internet, ausência de horários… isto fazia-os sentir em casa e “fiquem o tempo que quiserem” foi a minha palavra de ordem.

Tinham o convite da minha mãe para jantar, eles não estavam a aceitar mas com o sentimento de não querer incomodar, como eu sabia disso não foi nada difícil convence-los a mudar de ideias.

Maxim não precisava tanto mas a Julien pedi-lhe toda a roupa que ele tinha, incluindo a que ele estava a usar… e ele para mim:

e que roupa visto eu?...

–uma minha, a tua vai toda para a maquina de lavar…

O jantar foi cozido á portuguesa, uma iguaria para os meus amigos, no final do dia descansamos.

Na manha seguinte convidei a quem quisesse vir treinar um pouco ao campo de futebol do Ginásio de Alcobaça, Julien acompanhou-me. Á tarde fomos á reunião da câmara municipal e insisti que me acompanhassem, queria apresenta-los ao presidente e restante mesa.

Fomos muito bem recebidos, ao princípio senti que os colegas por não entenderem estavam um pouco apreensivos mas no final voltaram felicíssimos deste encontro.

Acabei por ser fotografado tal como os meus colegas, e se eu era noticia também eles o foram pois aparecemos em alguns meios de comunicação.



Nesta reunião decidiram por todos os presentes em assembleia, atribuir-me um patrocínio para fazer face aos gastos da viagem, disse-me o presidente Paulo Inácio que era bom ver iniciativas deste género no nosso concelho.

Já o vereador José Vinagre também abraçou esta iniciativa desde o inicio quando me ofereceram 2 equipamentos com o nome de Alcobaça para ir bem identificado. A todos o meu sincero e humilde obrigado por tudo desde o reconhecimento á simpatia.

Mais tarde chegaram Adrien e Sophie, molhados e cansados… fomos busca-los á frente do mosteiro e encaminhei-os rapidamente para um banho quente que eu sabia que até as suas almas pediam.

Tratei deles como se chegassem a uma colónia de férias que o meu apartamento se tinha tornado, combinamos em encomendar umas pizzas que toda a gente, incluindo eu, se deliciou!



Durante o jantar convidei-os a juntarem-se a nós 3 no dia seguinte a passear a Lisboa, tinha que ir lá visitar um amigo meu e trazer um kite… um brinquedo novo para mim para me divertir no mar em mais um desporto que faço, e como respondeu Adrien, “tenho que responder agora?” claro que não, vão dormir e amanha falamos!



Antes ainda fomos dar uma pequena volta pela vila de Alcobaça e bebemos café no típico Capador, desta vez já de barba feita, o encontro com o presidente da Câmara Municipal de Alcobaça tinha marcado o fim da minha viagem. Mais umas fotos em grupo para a eternidade com Magda que também se juntou ao grupo, muito giro estes momentos, agora com todos bem alimentados e de banho tomado, o ambiente era mesmo fantástico!



No final ficamos a olhar os itinerários dos mapas de Julien… a volta era simplesmente um espectáculo! Quando estávamos todos cansados, disse ao casal mais uma vez, fiquem na minha cama, hoje durmo eu no sofá que vocês merecem, aí é que eles ficaram mesmo espantados… eu insistir que ficassem lá era mesmo coisa que não lhes passaria pela cabeça, mas aceitaram!



Luzes apagadas e boa noite a todos!







Um abraço amigo, Samuel Santos

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cumprindo rituais de peregrino.

Terça-feira, 2 de Novembro de 2010.






…hum, acordar na minha cama, meu espaço, tudo me rodeia… vou tomar o pequeno-almoço e como tinha vontade de encontrar mais amigos fui treinar um pouco de corrida á pista de atletismo no campo de futebol municipal de Alcobaça.

Tinha ainda rituais de viagem para cumprir, queimar as botas e outros objectos usados e gastos que lhe atribuíssemos um significado diferente ao comum, parece algo invulgar mas a necessidade de os cumprir chamava a minha atenção.

O tradicional é faze-lo em Finisterra, mas como vocês puderam acompanhar foi impossível faze-lo devido á tempestade que ai estava, mas certo é que Nazaré fazia muito mais sentido por várias razões.

Não foi mesmo nada difícil para mim trocar Finisterra pela Nazaré, esta terra faz parte de mim, o seu imponente promontório faz as minhas delícias e a todos que quer seja no verão ou no inverno por ali passam. Várias são as vezes que de bicicleta faço do miradouro um ponto de passagem e paragem obrigatório, para além disso, o discreto santuário da Nossa Senhora da Nazaré que conta a lenda ali ter aparecido a Dom Fuas Roupinho no ano de 1182, dá uma paz enorme àquele lugar.


Depois o farol tem o mesmo, ou até mais encanto que o de Finisterra, obviamente que muito menos de carga simbólica mas vendo bem a historia do outro, este está quase tão a oeste que outro, e o outro não têm os jactos de espuma na pedra d´inguilhim, que este faz em dias de tormenta.



A juntar a tudo isto foi a terra que numa segunda-feira 22, em Setembro de 1980 me viu nascer pelas alturas do meio-dia, este local por estar então tão próximo do meu real fim do caminho ganhava aos pontos para a queima dos objectos.

Escolhi então alguns objectos e parti até ao farol para cuidadosamente queima-los, tinha convidado uma pessoa e como aceitou acabei por não ir de bicicleta.

O céu estava limpo, o pôr-do-sol prometia ser esplendoroso e num cantinho onde não houvesse qualquer risco de incêndio, em cima de areia coloquei o que tinha trazido: um par de sapatilhas, uma carteira, uns boxers e uma garrafa de plástico.



Diz o ditado que a Deus não se dão coisas estragadas mas como entrega no final do caminho é uma excepção, o simbolismo destes baseia-se em deixar para trás o velho e começar uma vida nova, para alem disso eu tomei a liberdade de escolher minuciosamente pelo caminho quais seriam os objectos candidatos e anexar a eles um significado:

- as sapatilhas, o tradicional, aquilo que tantos passos e pedaladas deram durante o caminho;

- a carteira simboliza a dependência das pessoas pelo dinheiro, pelas posses e ao mesmo tempo a sua escravidão pelas mesmas, seria muito mais bonito as pessoas serem mais livres com menos encargos mas isso são escolhas de cada um…;

- a garrafa teve um papel importante na viagem, permitia-me comprar vinho e guardar nela aquilo que sobrava para o dia seguinte, quando não estava em uso era tão ligeira que não me custava transporta-la, assim devíamos fazer sempre escolher fardos leves que sejam úteis;

- por fim os boxers, tendo em conta que não fui assaltado passou-me várias vezes pela cabeça o que mais me faria falta caso fosse… imaginando que alguém me assaltava e levasse tudo, literalmente TUDO, recuava ao tempo de Adão e Eva e os boxers sim seriam a primeira coisa a sentir falta, aquilo que nos protege de sentir vergonha perante a sociedade, tudo o resto é elementar.



Reguei com álcool e deitei-lhe chama, não tardou em ver que não tinha precisado do combustível pela quantidade de plástico que ardia… o cheiro não demorou a rondar o local e durante mais de meia hora ficamos ali, e a meditar e a companhia a contemplar o deitar do sol no mar de oro…





Um abraço peregrino, Samuel Santos

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dia 48. Chegada ao destino, ALCOBAÇA!

Segunda-feira, 1 de Novembro de 2010.


No quarto parecia ser ainda noite mas quando abri um pouco dos estores o sol que pelos furos parecia um potente holofote por estar a nascer ser nuvens.



Ao sair já o meu colega Rui estava acordado e pronto para fazer os 20 km até Fátima, para ele seria só mesmo a acompanhar pois a pesada bicicleta na subida ia travar e muito o ritmo normal do andamento dele, mas também era bom pois ele apenas queria fazer um pouco de recuperação de uma prova que tinha participado no dia anterior. Pela subida suave e constante até Fátima fomos metendo a conversa em dia e ao chegar deixou-me numa rotunda antes e voltou para casa.


Ao chegar ao Santuário tinha a minha mãe, irmã e irmão á espera para uma primeira recepção, ai fiz os rituais neste grandioso e pacifico local de culto Mariano onde a Virgem apareceu aos 3 pastorinhos.







Com o meu irmão segui pela serra de Porto de Mos direcção a Alcobaça e pela passagem por Alqueidão da Serra uma estátua branca fez-me lembrar Pietrasanta em Itália, afinal pela minha terra também há coisas fantásticas, não seria em mármore mas em rocha sedimentar e a figura da estátua era um caricato calceteiro partindo a pedra azul negro que apenas há aqui nesta região e é usada para fazer os desenhos nas calçadas à portuguesa.




Os 30 km até Alcobaça foram sempre a rolar com apenas 2 subiditas, e em pouco mais de uma hora desfrutando da bonita vista que a serra dos Candeeiros proporciona chegamos ao destino final, o grandioso Mosteiro de Alcobaça.

Antes tive tempo de cumprir a entrada típica dos turistas pela bonita rua das lojas, matando as saudades que deste sítio tão pisado por mim tinha, depois entrando no amplo largo do mosteiro vi o pequeno mas caloroso grupo que me esperava.



Aqui estavam as pessoas que consegui anunciar que neste dia chegava, família e amigos mas ao chegar dei-me conta de mais uma coincidência, as 12.30 h previstas eram também a hora do final da missa e como ritual o padre vir cumprimentar quem a ela assistiu acabei por ter o prazer de também o abraçar como a todos que esperavam, e ao grupo mais algumas pessoas que por coincidência aqui estavam a passar também se juntaram.

É um sentimento único após tanto tempo de privação da família e amigos, embora de livre vontade, abraçar de uma só vez tanta gente querida e conhecida, misto da emoção de ter conseguido chegar no dia pretendido ao local que marca o final de uma peregrinação.

Emoção forte que apenas cultivando e vivendo uma historia como esta que aqui fui descrevendo se pode ter, mas vale a pena, e muito!!!

Da frente do mosteiro percorremos os 100 metros que levam até ao meu espaço, e chegando sentia-me milionário, de emoções e tudo mais, “tenho uma casa” dizia, “uma cama, água quente, uma cozinha…”, tantas eram as coisas que novamente iriam entrar no meu uso do dia-a-dia que milionário talvez não chegue para descrever a mudança enorme que estava prestes a ter.

Ai almoçamos em família, todos menos o meu pai que algures pela Europa andaria na sua simplicidade de espírito conhecendo novos locais, cruzando rotas de tantos outros peregrinos…

Um abraço peregrino, Samuel Santos!

Dia 47. Pedalar de sol a sol numa tempestade parte 2… vento a favor!!!

Domingo, 31 de Outubro de 2010.


Nesta noite não barulho no quarto, já tinha saudades de estar sozinho como antes de entrar em Espanha estava maior parte dos dias.

A camarata estava apenas ocupada por mim e teve que ser o despertador a tocar para eu acordar, hoje, por coincidência da data da mudança de horário estava a acordar cedíssimo comparando com a hora portuguesa, com a hora de diferença de Espanha Portugal e a da mudança de horário eu estava com 2 horas de diferença com o mesmo período de sol que estava habituado.

Eram horas novas 6:30 da manha e o pequeno-almoço apenas era servido às 8:30, olhei pela janela e pensei, o vento hoje continua forte mas tenho um pressentimento que virou a meu favor, se no dia anterior estava sul de manha e oeste pela tarde com sorte viraria a norte e assim teria um dia de nortada, o termo utilizado para definir o habitual vento da nossa costa.

Fui á rua e sim, iupiii, estava norte o que iria dar uma grande ajuda durante o dia e pensei que tinha que aproveitar as horas de sol para fazer o máximo de kms em direcção ao destino.



Tal como me tinha dito no dia anterior, o responsável do albergue disponibilizou-se para me dispensar o pequeno-almoço, e tenho que aqui redobrar os agradecimentos ao Sr. Gaspar pois com a sua amabilidade e trabalho pude tomar um bom pequeno-almoço e ainda me ofereceu pão para comer pelo caminho.

Com tudo isto saí do albergue uma hora antes da hora anunciada para o pequeno-almoço.

Mas o dia era de uma negra tempestade, com tudo protegido com sacos de plástico mesmo dentro dos alforges que tinham protecção para a água, e eu com a capa plástica do costume meti-me ao caminho para fazer mais um dia, e este prometia fazer de mim um verdadeiro papa-léguas.

E juntou-se a facilidade de rolar com a vontade de fazer kms, pensei que iria aproveitar ao máximo este dia pois com vento a empurrar conseguia com facilidade andar a 30 km/h a direito.

O Porto que estava a 50 km de distância aproximava-se a uma velocidade estonteante comparando com o dia anterior, até mesmo nas subidas, puxava um pouco mais e fazia-as a 25 km/h descansando nas baixadas.

Pouco via nas laterais mas pela N13 as vilas que se vão cruzando fazem lembrar o Roberto Leal naquela musica um pouco folclórica “Pelos caminhos de Portugal”, são realmente nossas e muito tem de espírito para além da beleza. São igrejas forradas a azulejo em tons de azul, os telhados com beirado tão nosso, as casas com pequenos jardins e á direita como que um bem adquirido o Atlântico completamente em revolta.



Passo por um ciclista e digo-lhe “força”, passado uns 2 kms ao entrar para uma rotunda vi que vinha calado na minha roda mas sinceramente não o ajudava tanto como o vento me ajudava a mim, falei com ele e disse-lhe para ter cuidado a andar naquela direcção caso contrario ainda tinha que apanhar o comboio de volta para casa, he he, ele para mim a perguntar, “você é atleta e leva ai pesos nos sacos de lado para treinar???” he he, piadas, foi um colega por uns 10 minutos de conversa!!!

Antes do Porto, uns 5 kms caí mais um monumental peso de agua e como estava a passar debaixo de um viaduto deixei-me ficar por ai um pouco a comer algo, o dia estava mesmo feito mas a vontade de andar era tanta que nuns vídeos que gravei a meter conversa com uns funcionários da câmara que tentavam arranjar algo e deviam ter pensado que eu não devia de estar muito bem da cabeça… eram as vontades de chegar a casa.

Sigo para a Torre dos Clérigos para carimbar como ponto de passagem o Porto, a ultimas vezes que cá vim o homem conheceu-me e fiz questão de parar mas não era ele que estava desta vez, era sim uma senhora que quando lhe pedi para carimbar a credencial ela perguntou-me para quando era como se uma credencial do medico fosse… enfim, nisto também havia muita confusão pois o alarme estava a soar talvez por causa da trovoada.

Desço á zona ribeirinha e atravesso a histórica ponte “Dom Luís”, do lado de Gaia aprecio as entradas para as caves e no rio os barcos típicos do Douro.



Sigo a jusante até á foz e o cenário era assustador, as ondas quebravam nos morros fazendo géisers de alturas enormes de branca espuma que se ia acumulando formando uma enorme faixa junto ao areal em todo o comprimento da praia.

Já por aqui tinha passado e sabia que havia uma rede de comboio aqui, tinha que encontrar uma estação para almoçar ao abrigo do tempo e encontrei-a na Praia da Aguda com um painel de mosaico que me fez lembrar a estação de comboios de Aveiro, terra para onde segui após terminar.



Pela estrada N109 reparo que tudo me parecia familiar, a estética, o ordenamento, as igrejas… parece que a estrada tem vida própria e que influencia tudo aquilo que está ao seu redor pois de Espinho a Monte Real muitas são as povoações com os mesmos traços.

Mais uma paragem em Mira e á conversa com uns idosos que estavam a desfrutar do feriado aprendi que naquela zona á muitos anos chamavam burras às bicicletas pois quem as consertava eram os burreiros, foram apenas 15 minutos para descansar e almoçar pela 2ª vez, aqui era o meu objectivo do dia mas como tinha tempo e forças para chegar á Figueira da Foz continuei.



Liguei ao meu amigo Rui para lhe dizer que já estava por perto e pensei “será que depois de chegar á Figueira tenho forças para ir até Leiria…”, perguntei-lhe se me dava estadia e ele respondeu que sim e sinceramente dele não esperava outra resposta a não ser que estivesse ocupado.



Cheguei á Figueira da Foz e apenas tinha mais uma hora de sol, e 45 km mais até Leiria em cima dos 195 que já tinha… isto era uma loucura mas o esforço neste dia iria aliviar em muito o dia seguinte e segui.



Foram mais 2 horas mas valeu a pena o sacrifício, já me sentia em casa com amigos, já a falava da viagem em tom de recordação e ainda nem a tinha terminado, mesmo com o cansaço dos 240 kms que tinha feito estava muito feliz por estar tão perto de cumprir o objectivo. Quanto ao vento, alem de o perdoar ainda lhe agradeci a ajuda que neste dia me deu, só assim foi possível fazer uma maratona destas que durou mais de 9 horas sentado no selim da bicicleta.


Comemos, contamos histórias e combinamos no dia seguinte fazer a tirada final até Fátima e depois Alcobaça.



Um abraço amigo, Samuel Santos

sábado, 13 de novembro de 2010

Dia 46. Pedalar de sol a sol numa tempestade.

Sábado, 30 de Outubro de 2010.




Mais do mesmo quando acordei, chuva...Voltei a equipar tudo com sacos de plástico e fiz-me ao tempo, hoje pedi a Deus que pelo menos que não tivesse tantos problemas como no dia anterior.
Ao sair reparei mais uma vez que o albergue estava decorado com papéis em forma de abóboras e que aqui também se celebrava o Haloween.Embora eu me sentisse bem a bicicleta não ganhava velocidade, o vento hoje não podia estar mais de frente do que estava... e cada vez que começava a chover até custa lembrar, a bicicleta parava até mesmo nas descidas.


O esforço era tremendo, o meu medo era de me esgotar e não conseguir chegar na segunda-feira como tinha pensado, e muitas vezes me passou pela cabeça que teria que desistir.Demorei hora e meia a fazer os 25 km até Pontevedra e aí tive que tomar outro pequeno-almoço numa entrada de um prédio, não queria que me faltassem as forças e agora mais que no resto da viagem estava literalmente a deglutir comida e a converter calorias em kms, caso contrário vou-me mesmo abaixo.

Mais 20 kms e já eram meio-dia, pensei novamente que teria que desistir, as rajadas eram fortíssimas e ao que parece era em toda a costa atlântica, decidi parar para comprar pão e coc.-cola, acabei por almoçar num coreto de um jardim em Redondela.



Quando saí vi uma placa, Portugal a 35 km e isto parecia uma eternidade uma vez que eu apenas tinha 45 mas o tempo aqui deu algumas tréguas, o vento diminuiu um pouco e virou 45 graus a oeste deixando de estar tão de frente. Pouco a pouco lá fui insistindo tentando compensar em tempo a velocidade que não conseguia atingir.



Do mal o menos, a bicicleta estava de novo sem sinais de problemas, mesmo debaixo desta verdadeira tempestade tropical.Chego a um sítio onde a estrada nacional te transforma em auto-estrada, procurei com atenção e vi que não haviam sinais de proibição a bicicletas.Como não haviam alternativas para fazer, acabei por entrar e fazer os 10 kms que faltavam até à fronteira.



Aqui tinha que ter bastante cuidado, embora a berma fosse larga os carros passavam muito rápido e não queria ser colhido por nenhum. Finalmente com a fortaleza de Valença do outro lado do rio minho, passei a ponte desenhada por Eifel e aproveitei o facto de já ter rede nacional para dar a notícia à família que já tinha chegado ao nosso País.




Viro direção a oeste para descer pelas margens do rio Minho até Caminha, mas aqui o vento já tinha virado novamente para oeste e novamente iria estar de frente por outros 20 kms.Tal como tinha dito a alguns amigos meus que vinham a Portugal, assim que vi um super que vendia frango assado parei para comprar, he he que saudades, foi em Vila Nova de Cerveira e ao sair pensei vou até Caminha e lá como.



Ao chegar começei a procurar um local e teria que ser rápido pois estava a ver mais uma chuvada a aproximar-se, aproveitei um alpendre de um edifício dos correios mas só ao chegar reparei que estavam lá 2 bikes que pareciam ser de Maxim e Julien... eram um casal jovem Belga, Adrien e Sophie que com eles falei enquanto rasgava partes do frango acompanhado com são, bem vontade tinha!

Caiu uma tempestade de água, mesmo daquelas que até as estradas se tornam rios e enquanto esperávamos que passasse trocamos mail e moradas para que os receba em minha casa caso aceitassem o convite que lhes tinha feito.
Mais 50 kms tinha eu para fazer, dizia, e assim foi, segui e voltando novamente para sul o vento já não fazia tanto travão na bike e pouco a pouco já fui até Viana do Castelo e Esposende onde nos Bombeiros procurei dormida.



Ofereceram-me um café e disseram-me que o padre é que costumava acolher os peregrinos, mas que estava a iniciar a missa das 7 e não o encontrei antes da missa... pensei que não podia participar pois estava todo molhado e que pouco depois em Fão havia um Albergue da Juventude e que talvez fosse o melhor ir até lá.Apenas 5 kms depois estava na recepção e apercebi-me que estes albergues estão a representar dignamente o nosso mais nas rotas de peregrinação pois a recepção e ao nível de um hotel, com a apresentação do passaporte de peregrino tem-se 10% de desconto e os 9.90 euros que paguei incluía dormir em lençóis (alto luxo em relação aos saco-camas) e pequeno-almoço, para além de ter cozinha de alberguista. Dormi mais barato em Espanha nalguns sítios mas aqui o valor era bem merecido!

Durante a preparação do jantar aproveitei para fazer a mais para o dia seguinte e no compartimento das sobras comunitárias estavam várias coisas... um casal não reparou no pequeno letreiro e arrumou lá tudo como se não houvesse mais ninguém...Passado uns tempos entram eles a dizer que cheirava bem, era a pasta à carbonara que eles já tinham deixado... pedi desculpas e que lhes pagaria a embalagem se eles quisessem mas acabaram por não aceitar e a dizerem que eles próprios é que não tinham reparado na mensagem. Na sala de estar falava-se português, a televisão dava bola e política e pouco a pouco ia-me sentindo no meu país.



Um abraço peregrino, Samuel Santos!

Dia 45. Rumar a casa, 600 kms em 4 dias...

Sexta, 29 de Outubro de 2010.


Quando despertei estava convencido que alguém estava a tomar banho mas logo achei muito estranho pois isso pela manhã não era normal.Como segunda hipótese, a chuva prevista para este dia e quando espreitei pela janela pensei logo, vai ser duro regressar a casa...

Preparei tudo com sacos para que nada se molhasse e meti-me debaixo de água até ao cabo de Finisterra.Aqui sim o fim do caminho, fim do mundo no tempo romano onde para eles no seu império não conseguiam andar mais longe em direcção do sol, simplesmente acabava a terra e começava o mar.


O tempo era de tormenta alguma chuva, o mar estava calmo e todo aquele sítio era mágico.No albergue o aviso era claro para não queimar nada no farol como manda a tradição de queimar as botas, ouve um incêndio aqui por causa disso e até o monumento construído para a queima estava alterado para que não o fizessem, mas o problema foi alguém como muitos que queiraram no meio das rochas e provocou um incêndio que queimou uma grande área em torno do farol.



Também havia no albergue uma notícia que dizia "jovens arriscam a vida subindo a torre", existe uma antena metálica que estava cheia de botas, t-shirts, meias... tudo aquilo que se podia deixar aí como oferenda usada e gasta pelo caminho, essa antena tinha sido limpa e agora nada tinha.



O sentimento aí é forte, para além de um lugar temático a vista é linda, quase mar a 360 graus e com a tempestade que por aqui passava eu vibrava de emoções!Depois de muitas fotos pela chuva segui, e desde cedo que tinha que parar por tudo e por nada, afinar os travões, tirar os impermeáveis, tirar a luz para sinalizar a traseira... enfim por precaução parava constantemente.



Mas até aí tudo bem, 10 km depois o pneu que tanto trabalho tinha dado no dia anterior estava em baixo e eu a pensas que era o rasgo de novo... mas não, estava mesmo com um arame a fura-lo e com tanto furo já não havia líquido anti-furo para o tapar.
Remendei-o e segui debaixo de chuvadas que vinham umas após outras.




Tive que almoçar numa paragem de autocarro que estava de costas ao vento pois mais sítio nenhum se podia parar, pouco depois mais chuva... enfim já estava mais que mentalizado que seria o dia assim.Segui e em Negreira na mesma praça parei para ligar aos Javi de Bilbao e mandar uma mensagem a Maxim e Julien dizendo que não passaria por Santiago, havia uma estrada que atalhava uns 20 km e eu já estava atrasado... mal começei a andar o pneu de novo...Dei-lhe um jeito mas na estrada que apanhei havia um troço a descer com buracos e o pequeno rasgo tornou-se maior...





Toca de desmontar tudo de novo e trocar os pneus de traz para a frente para ver se com menos pressão aguentava.

Quando cheguei a Padron vi uma loja de bikes e pensei que talvez aguentasse, mas outro furo fez-me voltar atrás e comprar um pneu de estrada 1.5 para rolar bem e também comprei remendos.

Segui ate Caldas de Reis e com tanto tempo gasto por problemas fiquei por aqui mas o tempo que perdi tinha sido bastante, tanto que apenas fiz 110 kms e o objectivo de Pontevedra ficou a 25. Parei já quase era noite pensando que no dia seguinte teria que compensar aquilo que ficou por fazer.Finalmente aqui podia falar português, haviam peregrinos e também a hospedeira galega também entendia. Gosto muito da fala dos galegos é como se fosse um nortenho mas com algumas palavras em espanhol, engraçado mesmo.Depois de uma massagem às pernas para aguentarem mais um dia, deitei-me a repousar.




Um abraço peregrino, Samuel Santos!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dia 44. Muxia e Finisterra

Quinta 28 de Novembro de 2010.



Acordei cedo, com tanta gente pelo caminho queria ir cedo buscar a Compostela, para quem não sabe é o diploma de peregrino.

Quando já cheguei apenas tinha duas pessoas à minha frente, perguntei a que horas era a missa do peregrino e ao contrário do que pensava havia uma às 10.



Antes fui dar o abraço ao peregrino e mais uma vez a fila era diminuta, passei também pelo túmulo do apóstolo e a missa foi pouco depois.
No final fui-me sentar de novo no centro da praça e a minha segunda alma não parava de me chamar a atenção, tinha tentado abafar aquilo que me queria dizer no dia antes mas agora com todos os rituais cumpridos queria mais uma vez que eu fizesse contas... E tantas vezes tinha feito as contas no dia anterior que voltei a fazê-las com a agenda do telemóvel, eram 11.30h e tinha 4 dias e meio para fazer 700 kms!



Pensei, pensei, pensei... os sinais eram óbvios, se tudo tinha sido tão rápido era porque eu também tinha que sair rápido e assim foi, decidi ir buscar a bike para seguir para Muxia e Finisterra.Liguei a Genis para se encontrar comigo na Praça do Obradoiro para me despedir e segui.



A tarefa não era fácil mas os fins justificavam os meios, para além disso sentia que chegar a casa no feriado 1 de Novembro para estar com a família seria um prémio pelo qual teria que suar e sofrer, mesmo assim estava disposto a fazê-lo.Pela estrada o tempo foi abrindo do nevoeiro que estava em Santiago e a paisagem alterou,as caras, as falas e os cheiros não me eram estranhos como estivesse no nosso Portugal.



Estava na Galiza e ao contrário daquilo que se diz que é impossível fazer o caminho sem chuva certo é que não me tinha molhado por aqui.



Ao fim de 75 kms chego a Muxia, uma aldeia piscatória onde busquei o segundo diploma e visitei o Santuário de Nossa Senhora onde reza a história apareceu ao apóstolo numa barca de pedra que frente à igreja ainda permanece, a pedra de abalar.







Mais uma olhada para o lindíssimo panorama de mas e vila no miradouro com a vila de um lado e o mar do outro e volto à estrada, queria dormir em Finisterra.



 Até ao destino eram mais 35 kms em estradas que passavam em aldeias, secadores de milho, tratores velhos, pequenos campos de lavouro, sentia-me em casa.



O pneu que me tinha dado problemas no dia anterior estava de novo a dar sinal, o pequeno rasgo que tinha estava de novo a querer deixar sair a câmara de ar e se não parasse para meter um pedaço de plástico por dentro iria furar de novo.

Olhava para o relógio e para o céu, parecia que o por do sol não era para hoje não por falta de tempo mas pelas nuvens que se viam a oeste e decidi visitar o sítio pela manhã ao contrário da última vez que por aqui passei.
Cheguei ao albergue e garanti a estadia, não esgotou mas pouco faltou e pensei em usar a cozinha completa para fazer algo quente para variar.Fui às compras e massa com coxas de frango foi o escolhido, saiu bem e foi admirado por quem passava embora desta vez não tivesse clientes para comer, melhor que assim sobrou para o dia seguinte. Tinha o diário atrasado e tentei compensar um pouco, quanto mais se atrasa pior se escreve, mas mesmo assim ainda deu para pelo meio da escrita ir dar uma volta para ouvir e sentir um pouco do mar...




Um abraço amigo, Samuel Santos!