A hora muda em Espanha mas no mostrador do tlm pouco passava da hora do costume, uma locomotiva a gasóleo roncava mesmo fora da aberta janela que com o braço esticado consegui fechar, inutil, todo o edifício vibrava com tanto cavalo ao relenti.
Sofia sorriu e disse bom dia, agradeci-lhe uma vez mais pela tortilha do dia anterior e ao tal reconhecimento ela juntou mais um café, tive vontade de sair com ela e assim fizemos. Visitamos a cidade e trocamos histórias até cerca de 3km após tinha sinalizado a "variante espiritual" á esquerda e despedimo-nos com o desejo de em Santiago gritarmos "Ultreia" juntos.
O caminho recentemente marcado é de facto solitário comparado com a multidão que agora sobe no traçado tradicional, entrando em bosques, serpenteando as serras em trilhos de apenas uma pessoa mas uma opção que desde o início me faz entender o porquê de tudo ontem conspirar para que o fizesse.
Com tanto km não seria de esperar que algo de magoado se fizesse sentir hoje embora no fim da etapa tenha dedicado grande parte do tempo no duche a massajar ambas as pernas finalizando com água fria nelas e quente nas costas, hoje era a articulação do pé esquerdo que me dizia algo leve ao ouvido... embora tenha ibuprofeno para tomar para controlar a dor e a inflamação decidi não tomar a não ser que seja mesmo necessário, tal como dizia aos outros " há que sofrer um pouco".
Chego ao mosteiro de Poio e vejo três peregrinos entrarem para a recepção, decido carimbar, espreitar, tirar umas fotos e seguir, a dor que segredava passou a gritar e tive que voltar com a palavra atrás.... ou tomo algo ou dificilmente consigo cumprir a etapa de hoje, tirando o facto de não saber como seria o dia seguinte.
Uns kms mais à frente chego á costa da ria, a Combarro onde o passeio era fenomenal com edifícios antigos restaurados, começa a dura subida para Armenteira, tão íngreme que me fazia lembrar as encostas da minha ilha adorada, Madeira. Tenho que subir cerca de uma hora até conseguir transpor a montanha e tirar uma foto no miradouro do Loureiro.
Início da descida e faltavam 2 km para Armenteira, por estrada e depois por trilho tópo com o café bar " O Comércio", entro e pergunto se tinham mini mercado pois já passava da hora de almoço, e não. Ao lado estava o Mosteiro que dava importância aquele povo, entro tiro umas fotos e falo com as irmãs hospitaleiras e digos-lhe que a cidade de onde vinha também tinha um mosteiro Cisterciense, Alcobaça, e onde trabalhava na Bélgica também, Soleilmont para onde elas enviavam os seus cumprimentos.
A saída volto ao bar, uma vez que as irmãs disseram que não havia nenhum mercado no pequeno lugar, quebro o princípio que tenho do caminho de comprar comida e fazer.... tal como disse ás irmãs, afinal de contas eu mereço!!!
Mando vir um bocadillo trifasico é uma cerveja e enquanto espero vou molhar o pé esquerdo numa bica em frente, quando volto o casal de senhores a meu lado mete conversa e conto-lhes as minhas histórias.
Embora com pressa que aos poucos fui perdendo devido ao agradável momento, enquanto eles já me davam batatas fritas das suas grandes doses, dei por mim com um verdadeiro expert de trilhos, ao despedir-me de Manuel e Purita (abuela) surpreendo-me ao saber que aquele "rapaz" estava prestes a fazer 81 anos, levanto-lhes a mão e sigo.
Entro no "trilho da água e da pedra", provavelmente o mais bonito trilho que fiz a pé nos caminhos de Santiago, com dezenas de moinhos para o corte de pedra, madeira pendente abaixo, vegetação cerrada e sem ninguém. Nele andei cerca de uma hora pois tinha mais que 5 km muito técnicos no início e o meu pé que aos poucos parecia colaborar mas todavia fazia questão de dizer que existia, até chegar a um outro trilho á cota do rio Umia.
Muitos mais kms foram feitos quase sem ver vivalma, cruzando uns pequenos lugares até que da solidão quase total, e recordo que só vi peregrinos até ao décimo km, chego a um local onde muitos carros estavam aparcados, sigo nas setas e a quantidade ia sempre aumentado até que perguntei a uma rapariga o que se passava... "É uma corrida de Burros!", do isolamento passei a estar rodeado de gente a ver burros numerados a passa, um a trote e outros a empurrão, qual moda equestre qual quê? Haviam equipas da "Red Burr" e o tiro de partida era feito com salvas de foguetes, não me admira o porquê das bestas começarem a correr, finda a prova as setas mandavam seguir a multidão e chego ao largo onde iria haver um grande concerto mas no imediato tínhamos a subida ao pau ensebado, aí fiquei um pouco mais a ver a tentativas e pedi uma cerveja mais mas como o tempo era curto devido a etapa ter sido grande e penosa tirei umas fotos, soltei umas gargalhadas e segui.
Pouco mais abaixo alcanço a ria Arosa onde me promenei e deliciei com o final do dia e final de etapa, encontro o albergue e ainda consigo comprar comida, faço jantar e almoço para o dia seguinte termino a cumprir a promessa que tinha feito aos meus pés, de ainda hoje os mergulhar na água da ria.
Um abraço peregrino, Samuel Santos.
"As portas do paraíso estariam abertas
ResponderEliminarpara aqueles que resolvessem entrar.
O mundo estava nas mãos daqueles que tivessem
coragem de sonhar - e viver os seus sonhos."
(As Valquírias de Paulo Coelho)
Agradeço a generosidade com que as emoções deste caminho são partilhadas.
Um abraço peregrino.