Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Dia 43. Ultreia! "Grito de chegada".

Quarta, 27 de Outubro de 2010.




Às 6.30 da manhã as luzes do quarto acenderam automaticamente mas a mim não incomodaram tanto como aos outros, só hora e meia depois voltei a acordar para o pequeno almoço em grupo.O pessoal foi saindo aos poucos e eu deixei-me ficar para tentar secar a roupa que no dia antes tinha deixado na máquina de secar, não é hábito pagar para isso mas por apenas um euro lavei à não e deixei na secadora.

Engraçado foi também a caçerola que os meus amigos tinham comprado acabaram por deixar no albergue mesmo sabendo que a iriam tirar de lá, de comida deixaram pão e madalenas, como fui o último a sair acabei por os levar.

Pela cidade encontrei as galegas que estavam numa pensão privada, não aguentavam o barulho dos outros nos albergues, e pelos cafés viam-se as mochilas de quem não se incomodava com a despesa do pequeno-almoço.

Sigo pelo "caminho" e logo de início muita gente, daqui até Santiago são apenas 90 km e é pouco menos do mínimo para obter o diploma no final.
O panorama estava lindissimo, nevoeiro cerrado na floresta com a humidade a bater na casa. Um dos grupos que passei diz-me um senhor que devia de ter uma campainha para avisar, mesmo tendo dito "bom dia" antes de os alcançar, respondi-lhe que é muito mais simpático diminuir a velocidade e falar como lhes fiz, no final, "buen camino" e segui.Pouco depois, o sol brilhava num céu azul e encontro os Javi, pensava que também tinham parado para um café. Enquanto os acompanhava olhei para trás e uau, o nevoeiro nos vales pareciam como que lagos de algodão doce pois a brancura contrastava com o resto.Como hoje o objectivo era gritar Ultreia no Monte do Gozo à chegada de Santiago como manda a tradição, segui a solo pois os colegas não chegariam ao meu destino neste dia.Algum tempo depois parei num bosque para aliviar... he he, e quando voltei a andar aparece-me Juan Julio de Murcia, um senhor pequeno mas com uma humildade do tamanho do mundo.Vinha num ritmo elevado mas com sinais de cansaço, tinha que chegar a Santiago cedo para comprar o bilhete do autocarro e mandar a bike por transportadora e como eu estava à vontade com o ritmo dele decidi acompanha-lo.



É bom ter companhia depois de tantos dias a solo, e no caso de Juan seria bom para ele não lhe fosse acontecer nada por causa do stress.Felicitou-me mais uma vez as castanhas do dia anterior e queria saber como se fazia, dizia que nunca tinha gostado delas até comer as minhas, que sorte tive eu com as castanhas por serem tão boas!Passamos em Melide e aqui a tradição é comer polvo numa tasca à beira do caminho, quando a vi parecia estar no México com a música e a decoração, mas nós seguimos pois eu tinha almoço e o meu colega queria algo rápido, nessa altura reparei que desde que saí de Roma nunca comi num restaurante.



Acabei por almoçar num parque de pic-nic à sombra enquanto Juan parou noutro tasco. Nesta zona o trilho transformou-se numa autêntica via para peregrinos pois é sempre larga e em óptimo estado de piso, e as pessoas que por aqui estavam a passar eram mais que coelhos como disse eu ao colega.



Pouco depois furei, o meu terceiro furo mas por uma razão estranha, o pneu rasgou um pouco na na lateral e a câmera furou a tocar no calço de travão, como Juan estava bem mandei-o seguir mas também comprar uma barra de chocolate para comer no caminho.Parei num largo e enquanto reparava a bike parou uma senhora ao pé de mim para almoçar, peregrina também, meteu conversa e disse-me que era de Lima, seu nome Ana Maria e foi mais uma pessoa que me encantou.



No final tirei com ela uma foto e segui, imensa gente mesmo, para quem chegava a passar horas sem abrir a boca agora tinha muito que dizer"buen camino"!Havia mesmo um exagero de gente, e gente exagerada também... algumas quando passava gritavam "bici" tão alto que até eu me assustava, parecia que eu os queria atropelar tão histerícas que gritavam mesmo estando ao lado delas a rolar à mesma velocidade qu elas.Gente de jeans, de óculos fashion, sem mochila sapatinhos de pele, havia de tudo, parecia que havia um pack turístico para fazer apenas alguns troços e assim devia de ser quanto mais perto me chegava de Santiago menos gente havia.E foi uns 15 km antes que alcanço de novo Juan que mantinha o mesmo ritmo de quando o tinha deixado e com ele fui até ao final.
Não sem antes parar no Monte do Gozo e gritar "Ultreia" como manda a tradição, é um grito de felicidade ao chegar à cidade destino. Daqui a vista não é tão bonita como a do Monte Mário em Roma, apenas se vê um pouco da cidade pois está longe e a descida não é muito inclinada.



Como Juan queria ir para a rodoviária comprar o bilhete de regresso levei-o até lá uma vez que sabia onde era, e combinei com ele para ir ter comigo frente à catedral porque queria comprar comida. Frente à catedral quase não se viam peregrinos, sentei-me mesmo no meio mas silêncio era coisa que não havia por estarem a preparar um palco para receber o Papa dia 6 de Novembro. Nem reparei mas chamei a atenção dos turistas que por ali passavam, não tardou a vir um a pedir se me podia tirar uma foto, estava eu a comer uns bolos com chocolate e doce de pêssego, era Português.



Logo após um Mexicano pediu-me a bicicleta emprestada para com ela tirar uma foto, no final dei-lhe o endereço do blog e disse-lhe para ir ver a história da bicicleta que ele tinha pegado, quando lhe contei que tinha de Roma ficou espantadíssimo.

Chegou Juan e fomos beber uma cerveja para a despedida, já tinha o bilhete e o despacho para a bike, no final um abraço de despedida e lá foi ele.Liguei a Genis para saber onde estava, fui ter com ele ao Seminário Menor onde jantamos juntos, a seguir saímos para uma volta pela cidade para ver o ambiente e voltamos para descansar.



Um abraço peregrino, Samuel Santos!

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