Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cumprindo rituais de peregrino.

Terça-feira, 2 de Novembro de 2010.






…hum, acordar na minha cama, meu espaço, tudo me rodeia… vou tomar o pequeno-almoço e como tinha vontade de encontrar mais amigos fui treinar um pouco de corrida á pista de atletismo no campo de futebol municipal de Alcobaça.

Tinha ainda rituais de viagem para cumprir, queimar as botas e outros objectos usados e gastos que lhe atribuíssemos um significado diferente ao comum, parece algo invulgar mas a necessidade de os cumprir chamava a minha atenção.

O tradicional é faze-lo em Finisterra, mas como vocês puderam acompanhar foi impossível faze-lo devido á tempestade que ai estava, mas certo é que Nazaré fazia muito mais sentido por várias razões.

Não foi mesmo nada difícil para mim trocar Finisterra pela Nazaré, esta terra faz parte de mim, o seu imponente promontório faz as minhas delícias e a todos que quer seja no verão ou no inverno por ali passam. Várias são as vezes que de bicicleta faço do miradouro um ponto de passagem e paragem obrigatório, para além disso, o discreto santuário da Nossa Senhora da Nazaré que conta a lenda ali ter aparecido a Dom Fuas Roupinho no ano de 1182, dá uma paz enorme àquele lugar.


Depois o farol tem o mesmo, ou até mais encanto que o de Finisterra, obviamente que muito menos de carga simbólica mas vendo bem a historia do outro, este está quase tão a oeste que outro, e o outro não têm os jactos de espuma na pedra d´inguilhim, que este faz em dias de tormenta.



A juntar a tudo isto foi a terra que numa segunda-feira 22, em Setembro de 1980 me viu nascer pelas alturas do meio-dia, este local por estar então tão próximo do meu real fim do caminho ganhava aos pontos para a queima dos objectos.

Escolhi então alguns objectos e parti até ao farol para cuidadosamente queima-los, tinha convidado uma pessoa e como aceitou acabei por não ir de bicicleta.

O céu estava limpo, o pôr-do-sol prometia ser esplendoroso e num cantinho onde não houvesse qualquer risco de incêndio, em cima de areia coloquei o que tinha trazido: um par de sapatilhas, uma carteira, uns boxers e uma garrafa de plástico.



Diz o ditado que a Deus não se dão coisas estragadas mas como entrega no final do caminho é uma excepção, o simbolismo destes baseia-se em deixar para trás o velho e começar uma vida nova, para alem disso eu tomei a liberdade de escolher minuciosamente pelo caminho quais seriam os objectos candidatos e anexar a eles um significado:

- as sapatilhas, o tradicional, aquilo que tantos passos e pedaladas deram durante o caminho;

- a carteira simboliza a dependência das pessoas pelo dinheiro, pelas posses e ao mesmo tempo a sua escravidão pelas mesmas, seria muito mais bonito as pessoas serem mais livres com menos encargos mas isso são escolhas de cada um…;

- a garrafa teve um papel importante na viagem, permitia-me comprar vinho e guardar nela aquilo que sobrava para o dia seguinte, quando não estava em uso era tão ligeira que não me custava transporta-la, assim devíamos fazer sempre escolher fardos leves que sejam úteis;

- por fim os boxers, tendo em conta que não fui assaltado passou-me várias vezes pela cabeça o que mais me faria falta caso fosse… imaginando que alguém me assaltava e levasse tudo, literalmente TUDO, recuava ao tempo de Adão e Eva e os boxers sim seriam a primeira coisa a sentir falta, aquilo que nos protege de sentir vergonha perante a sociedade, tudo o resto é elementar.



Reguei com álcool e deitei-lhe chama, não tardou em ver que não tinha precisado do combustível pela quantidade de plástico que ardia… o cheiro não demorou a rondar o local e durante mais de meia hora ficamos ali, e a meditar e a companhia a contemplar o deitar do sol no mar de oro…





Um abraço peregrino, Samuel Santos

1 comentário:

  1. Bom Dia Samuel!
    Claro que não demorei tanto a ler a crónica da tua viagem como demoraste a fazê-la, mas fiz-lo como se um livro de aventuras se tratasse.
    Diz-se que a fé move montanhas, mas, sem duvida, tambem move bikes! hehe
    És, sem duvida, um verdadeiro CAMPEÃO!!!
    Parabéns e até um dia destes.
    Um forte abraço.
    Lino silva

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