…hum, acordar na minha cama, meu espaço, tudo me rodeia… vou tomar o pequeno-almoço e como tinha vontade de encontrar mais amigos fui treinar um pouco de corrida á pista de atletismo no campo de futebol municipal de Alcobaça.
Tinha ainda rituais de viagem para cumprir, queimar as botas e outros objectos usados e gastos que lhe atribuíssemos um significado diferente ao comum, parece algo invulgar mas a necessidade de os cumprir chamava a minha atenção.
O tradicional é faze-lo em Finisterra, mas como vocês puderam acompanhar foi impossível faze-lo devido á tempestade que ai estava, mas certo é que Nazaré fazia muito mais sentido por várias razões.
Não foi mesmo nada difícil para mim trocar Finisterra pela Nazaré, esta terra faz parte de mim, o seu imponente promontório faz as minhas delícias e a todos que quer seja no verão ou no inverno por ali passam. Várias são as vezes que de bicicleta faço do miradouro um ponto de passagem e paragem obrigatório, para além disso, o discreto santuário da Nossa Senhora da Nazaré que conta a lenda ali ter aparecido a Dom Fuas Roupinho no ano de 1182, dá uma paz enorme àquele lugar.
Depois o farol tem o mesmo, ou até mais encanto que o de Finisterra, obviamente que muito menos de carga simbólica mas vendo bem a historia do outro, este está quase tão a oeste que outro, e o outro não têm os jactos de espuma na pedra d´inguilhim, que este faz em dias de tormenta.
A juntar a tudo isto foi a terra que numa segunda-feira 22, em Setembro de 1980 me viu nascer pelas alturas do meio-dia, este local por estar então tão próximo do meu real fim do caminho ganhava aos pontos para a queima dos objectos.
Escolhi então alguns objectos e parti até ao farol para cuidadosamente queima-los, tinha convidado uma pessoa e como aceitou acabei por não ir de bicicleta.
O céu estava limpo, o pôr-do-sol prometia ser esplendoroso e num cantinho onde não houvesse qualquer risco de incêndio, em cima de areia coloquei o que tinha trazido: um par de sapatilhas, uma carteira, uns boxers e uma garrafa de plástico.
Diz o ditado que a Deus não se dão coisas estragadas mas como entrega no final do caminho é uma excepção, o simbolismo destes baseia-se em deixar para trás o velho e começar uma vida nova, para alem disso eu tomei a liberdade de escolher minuciosamente pelo caminho quais seriam os objectos candidatos e anexar a eles um significado:
- as sapatilhas, o tradicional, aquilo que tantos passos e pedaladas deram durante o caminho;
- a carteira simboliza a dependência das pessoas pelo dinheiro, pelas posses e ao mesmo tempo a sua escravidão pelas mesmas, seria muito mais bonito as pessoas serem mais livres com menos encargos mas isso são escolhas de cada um…;
- a garrafa teve um papel importante na viagem, permitia-me comprar vinho e guardar nela aquilo que sobrava para o dia seguinte, quando não estava em uso era tão ligeira que não me custava transporta-la, assim devíamos fazer sempre escolher fardos leves que sejam úteis;
- por fim os boxers, tendo em conta que não fui assaltado passou-me várias vezes pela cabeça o que mais me faria falta caso fosse… imaginando que alguém me assaltava e levasse tudo, literalmente TUDO, recuava ao tempo de Adão e Eva e os boxers sim seriam a primeira coisa a sentir falta, aquilo que nos protege de sentir vergonha perante a sociedade, tudo o resto é elementar.
Reguei com álcool e deitei-lhe chama, não tardou em ver que não tinha precisado do combustível pela quantidade de plástico que ardia… o cheiro não demorou a rondar o local e durante mais de meia hora ficamos ali, e a meditar e a companhia a contemplar o deitar do sol no mar de oro…
Um abraço peregrino, Samuel Santos
Bom Dia Samuel!
ResponderEliminarClaro que não demorei tanto a ler a crónica da tua viagem como demoraste a fazê-la, mas fiz-lo como se um livro de aventuras se tratasse.
Diz-se que a fé move montanhas, mas, sem duvida, tambem move bikes! hehe
És, sem duvida, um verdadeiro CAMPEÃO!!!
Parabéns e até um dia destes.
Um forte abraço.
Lino silva