Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Dia 8, Pádron a Santiago de Compostela, 25km, ULTREIA!!!!

   Como no dia anterior adormeci antes de tempo despertei também mais cedo que o comum, olho a volta e maioria já tinha saído. Penso que nunca tinha caminhado de noite e hoje seria uma boa opção, pego no saco da comida desço e como, ao mesmo tempo Simone, rapaz italiano, enrolava não apenas o cigarro mas também os dois joelhos com ligaduras. 


   Saio pelas 7:15 sozinho mas logo alcanço o cheiro a tabaco e fico um pouco a falar com o vagaroso e penoso rapaz, treino o meu menos completo idioma por um pouco e sigo, começo a fazer contas e penso que talvez nas 5 horas seguintes chegaria a Santiago se não parasse, e assim podia assistir à missa do peregrino que começa ao meio-dia.... mantenho o passo acelerado. 


   O traçado segui comum á nacional mas serpenteia ora a direita ora a esquerda pelos pequenos povos, casas tão antigas que organização urbanística era coisa que não existia, pequenos trilhos agrícolas e bosques, alcanço num deles um para de alemãs de passo bom tendo em conta os cabelos que não eram brancos. 



   Zé esteve em Pontevedra quando cheguei do meu dia gigante e estava surpreendido com os km qu tinha percorrido, mais tarde encontro-o com as 3 raparia, Beatriz, Joana e Inês que seguiam com ele, o passo já a fraquejar mas assim que o alcanço parece que esqueceram aquilo que os fazia ir lentamente, juntos fizemos uns kms até eles decidirem parar para água e perguntam-me se eu não parava e dou por mim com quase 20 km sem o fazer, tinha-me perdia-me no tempo distraído com a paisagem. 


   Pouco faltava e sigo directo ao destino final, começo a entrar na cidade e ULTREIA!!!! exactamente uma semana depois de começar, ao meio dia onde na semana passada estava a ouvir o concerto de órgão clássico na igreja dos Clérigos. Sigo para a Praça do Obradoiro e reparo que a fachada estava em restauro, tinha que entrar rápido pois já tinha passado 15 minutos do início da missa, sigo para a lateral uma vez que a porta principal não estava a ser utilizada e vejo uma fila enorme, acerco-me um pouco e fiquei contente ao ver que havia uma fila para peregrinos com credencial, aquela que tenho vindo a carimbar por onde paro, mas mochilas não eram permitidas.... (mais tarde deduzi que era por razões de segurança e faz algum sentido). 


   Tento ir á oficina do peregrino e tinha mudado de sítio.... fico sem saber onde deixar a mochila, mas aproveito para trocar a já suja t-shirt e vestir umas calças. Encontro outro peregrino que estava também no albergue que me diz que a posso deixar nos correios e sigo mas não por muito, Zé, Inês, Joana e Beatriz vinham a chegar e pensei de os informar, insistiram em ir deixar a alguma loja e pensei comigo, " a ver como se safam os miúdos..." surpresa, encontraram uma loja e quinze minutos antes do término da missa podemos entrar, ainda a tempo de alguma celebração e de ver também o "botafumeiro" a pendular na catedral deixando o cheiro da mirra, usado para purificar o ar na altura em que os peregrinos chegavam aqui com largos dias sem tomar banho nem lavar suas vestes. 


   Tinha colegas de chegada e a felicidade é sempre melhor quando partilhada, estavam com desejo de um hambúrguer com batatas e lá fomos a uma cadeia satisfazer o merecida vontade. No final voltamos a praça do Obradoiro para tirar a foto de grupo e buscar a "Compostela", certificado como que fizemos o caminho até Santiago. O tempo acabava para eles pois o pai de Beatriz estava prestes a chegar e fiz questão de ficar com eles até a abraço final.  


   Volto á basílica e cumpro os rituais de chegada, visita ao túmulo do santos e abraço a sua imagem tempo para reflectir um pouco mais acerca dos meus objectivos daqui em diante e agradecer pela proteção que tive durante o caminho, incluindo o pé que embora um pouco inchado já estava sem dor, uma benção tendo em conta que não tive dia de descanso. Mas faltava algo, a minha oferta ao santo eram as sapatilhas com as quais fiz o caminho é desaperta-las e deixá-las aí nos bancos da catedral não me parecia o mais sensato, também não encontrava qualquer sítio onde os entregar mas intenção é intenção é tinha que a fazer. Saio da catedral e rondo-a por de trás, encontro um portão de ferro com uma pequena câmara entre a praça e uma porta traseira com aspecto de não ser varrida fazia algum tempo.... desaperto os atacadores e descalço-me, com os pés empurro a oferta para depois da grade, mas ao alcance de retirar pois nunca sei se a minha oferta ao santo poderá seguir para outro alguém que precise... aí ficam, afasto-me e certifico que ninguém as tira pelo menos no imediato. Aí ficaram, pela noite ainda estavam mas não na manhã seguinte. 


   A tarde já ia passando, hora de rumar até ao Seminário Menor e registar-me para a dormida, esta aventura esta já acabada mas sei que que caminho faz-se todos os dias, a Santiago, aos nossos ou a nós á nossa essência, espero que este relato vos tenha inspirado e que um dia pisem os trilhos por onde passei, eles estarão lá sempre para vos receber. E não se esqueçam nunca, todas as viagens começam apenas com um simples passo!!!



Um abraço peregrino, Samuel Santos. 

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Dia 7, Vilanova de Arousa a Padron, 30 km em orientação.

   Desperto num silencio fora do normal, olho pela janela e como já era de dia seria bem mais tarde que o usual. Recordo a sinfonia de roncares que os outros peregrinos me ofereceram até eu adormecer e desço do piso superior da camarata, olho para as horas e surpresa, 8:30, pouco depois percebi o porque desta tranquilidade... há um barco que sobe a ria e faz a etapa numa hora, estava marcado para as 11:00 e era eu o único tolinho que ia fazer os 28km a pé pois nem mesmo os 4 ciclistas a iam pisar. 
   
   Tento mexer aos poucos o bloqueado pé esquerdo, um pouco inchado a pedir um pouco de descanso mas engano-o com mais um anti-inflamatoria durante o pequeno almoço. Lurdes, cubana que mora em Londres com quem tinha trocado umas palavras no dia anterior estava prestes a sair ao mesmo tempo que eu, fazemos companhia um ao outro até ao cafe onde ela iria comer algo. 


   Saio aos poucos da vila e tal como tinha visto no mapa a etapa seria fácil pois seguia sempre a costa sul da ria estreitando para o rio onde segundo a lenda o corpo de Santiago deu a costa a montante da foz. 


   Sigo assim quase em modo de intuição, pouco ligando ás poucas setas que haviam mas coincidindo sempre com elas até Vilagarcia de Arousa onde entro numa zona industrial certamente quase toda dedicada às conservas e pescado e vejo um mural grafitado, de invocação as doenças DTS, á saúde mental e também me surpreendo com um verso de Fernado Pessoa que não apenas gostei mas também confesso que me descreve, "sou NADA". 


   Atravesso a vila e entro na estrada municipal, sem saber onde perco as setas mas deixei-me ir escrevendo uma linha, sei que a intuição me vai levar de novo ao caminho. Tal como esperado isso acontece uns kms mais à frente quando tento evitar a nacional ou outra estrada mais pequena na orientação que eu pretendo, sigo as setas mas acabo por voltar atrás uma vez que o caminho está impraticável. 


   Chego a Catoira e encontro um parque de merendas, embora não tivesse água comigo acabo por descer e no fundo encontro uma pequena fonte, tudo parecia ajustar-se para sei ai o meu momento de descanso e reposição de energias uma vez que no dia anterior tinha cozinhado a mais de propósito para hoje. Mal me senti chega-se um gato e volto a lembrar-me daquilo que tinha pensado faz dias, as pessoas são como os gatos, uns olham desconfiados e nem sequer permitem que nos aproximemos, mesmo quando lhes damos algo esperam que nos afastemos para comer, outros nem tão pouco precisamos de olhar pra eles, vêem até nós e roçam em nós de prazer... nem conseguimos agradar a todos nem todos nós agradam, mas este agradou-me e com ele partilhei o meu arroz de mexilhão, atum e cogumelos, foi a minha companhia deste agradável momento. 


   Levanto a mão ao gato em modo de despedida e sigo pela estrada secundária, que me leva a principal e decido evitá-la, por orientação escolho algo entre a esquerda e seguir em frente numa rotunda, começo a atalhar mas sem saber se faria menos ou mais kms, certo é que entro numa zona florestal, pequenos povos e orientado pela direcção da minha sombra vou suavemente até chegar ao rio numa praia fluvial que também tinha setas, isto muitos kms à frente desde o início. 

   Uma vez mais encontrei setas mas o caminho era impraticável, oriento para Nordeste e continuo por pequenas estradas. A Galiza tem paisagens muito bonitas mas nota-se diferenças sociais enormes, habitações de luxo contrastam com casas remodeladas, pormenores não acabados e remendos, paredes em tijolo tão pouco rebocadas por fora e portas sem escadaria exterior, fica o calor do povo a dar saldo positivo a esta terra. 

   Sinto que me vou acercando do caminho original e quando o alcanço fico desiludido, pensava encontrar bastantes peregrinos mas estava errado, volto a lembrar-me que maioria funciona apenas em part-time e isso era aquilo que o meu pé faz muitos km que pede... uma folga. 


   Eram quase 6 da tarde e chego a Padron, onde está sob o altar da igreja matriz a pedra que segundo a lenda amarrava a barca que veio à deriva desde a Palestina com os restos mortais do santo e mais dois apóstolos. Encontro o albergue e penso para mim, 30 km chegam pra hoje é se houver lugar pra mim fico aqui senão faço mais 10 para Teo. Estando habitado a caminhar até tão tarde achei como se fosse dia de descanso, mesmo tendo um dia já carregado... mas amanhã chego sem dúvida a Santiago e como o meu pé embora inchado deu algumas tréguas
eu cedo á sua vontade de parar. 


Um abraço peregrino, Samuel Santos.  

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

dia 6, de Pontevedra a Vilanova de Arousa, Caminha da "VarianteEspiritual".

   A hora muda em Espanha mas no mostrador do tlm pouco passava da hora do costume, uma locomotiva a gasóleo roncava mesmo fora da aberta janela que com o braço esticado consegui fechar, inutil, todo o edifício vibrava com tanto cavalo ao relenti. 
   Sofia sorriu e disse bom dia, agradeci-lhe uma vez mais pela tortilha do dia anterior e ao tal reconhecimento ela juntou mais um café, tive vontade de sair com ela e assim fizemos. Visitamos a cidade e trocamos histórias até cerca de 3km após tinha sinalizado a "variante espiritual" á esquerda e despedimo-nos com o desejo de em Santiago gritarmos "Ultreia" juntos. 
   O caminho recentemente marcado é de facto solitário comparado com a multidão que agora sobe no traçado tradicional, entrando em bosques, serpenteando as serras em trilhos de apenas uma pessoa mas uma opção que desde o início me faz entender o porquê de tudo ontem conspirar para que o fizesse. 


   Com tanto km não seria de esperar que algo de magoado se fizesse sentir hoje embora no fim da etapa tenha dedicado grande parte do tempo no duche a massajar ambas as pernas finalizando com água fria nelas e quente nas costas, hoje era a articulação do pé esquerdo que me dizia algo leve ao ouvido... embora tenha ibuprofeno para tomar para controlar a dor e a inflamação decidi não tomar a não ser que seja mesmo necessário, tal como dizia aos outros " há que sofrer um pouco". 



   Chego ao mosteiro de Poio e vejo três peregrinos entrarem para a recepção, decido carimbar, espreitar, tirar umas fotos e seguir, a dor que segredava passou a gritar e tive que voltar com a palavra atrás.... ou tomo algo ou dificilmente consigo cumprir a etapa de hoje, tirando o facto de não saber como seria o dia seguinte. 


   Uns kms mais à frente chego á costa da ria, a Combarro onde o passeio era fenomenal com edifícios antigos restaurados, começa a dura subida para Armenteira, tão íngreme que me fazia lembrar as encostas da minha ilha adorada, Madeira. Tenho que subir cerca de uma hora até conseguir transpor a montanha e tirar uma foto no miradouro do Loureiro. 



   Início da descida e faltavam 2 km para Armenteira, por estrada e depois por trilho tópo com o café bar " O Comércio", entro e pergunto se tinham mini mercado pois já passava da hora de almoço, e não. Ao lado estava o Mosteiro que dava importância aquele povo, entro tiro umas fotos e falo com as irmãs hospitaleiras e digos-lhe que a cidade de onde vinha também tinha um mosteiro Cisterciense, Alcobaça, e onde trabalhava na Bélgica também, Soleilmont para onde elas enviavam os seus cumprimentos. 


   A saída volto ao bar, uma vez que as irmãs disseram que não havia nenhum mercado no pequeno lugar, quebro o princípio que tenho do caminho de comprar comida e fazer.... tal como disse ás irmãs, afinal de contas eu mereço!!! 



   Mando vir um bocadillo trifasico é uma cerveja e enquanto espero vou molhar o pé esquerdo numa bica em frente, quando volto o casal de senhores a meu lado mete conversa e conto-lhes as minhas histórias. 


   Embora com pressa que aos poucos fui perdendo devido ao agradável momento, enquanto eles já me davam batatas fritas das suas grandes doses, dei por mim com um verdadeiro expert de trilhos, ao despedir-me de Manuel e Purita (abuela) surpreendo-me ao saber que aquele "rapaz" estava prestes a fazer 81 anos, levanto-lhes a mão e sigo. 


   Entro no "trilho da água e da pedra", provavelmente o mais bonito trilho que fiz a pé nos caminhos de Santiago, com dezenas de moinhos para o corte de pedra, madeira pendente abaixo, vegetação cerrada e sem ninguém. Nele andei cerca de uma hora pois tinha mais que 5 km muito técnicos no início e o meu pé que aos poucos parecia colaborar mas todavia fazia questão de dizer que existia, até chegar a um outro trilho á cota do rio Umia. 


   Muitos mais kms foram feitos quase sem ver vivalma, cruzando uns pequenos lugares até que da solidão quase total, e recordo que só vi peregrinos até ao décimo km, chego a um local onde muitos carros estavam aparcados, sigo nas setas e a quantidade ia sempre aumentado até que perguntei a uma rapariga o que se passava... "É uma corrida de Burros!", do isolamento passei a estar rodeado de gente a ver burros numerados a passa, um a trote e outros a empurrão, qual moda equestre qual quê? Haviam equipas da "Red Burr" e o tiro de partida era feito com salvas de foguetes, não me admira o porquê das bestas começarem a correr, finda a prova as setas mandavam seguir a multidão e chego ao largo onde iria haver um grande concerto mas no imediato tínhamos a subida ao pau ensebado, aí fiquei um pouco mais a ver a tentativas e pedi uma cerveja mais mas como o tempo era curto devido a etapa ter sido grande e penosa tirei umas fotos, soltei umas gargalhadas e segui. 




   
   Pouco mais abaixo alcanço a ria Arosa onde me promenei e deliciei com o final do dia e final de etapa, encontro o albergue e ainda consigo comprar comida, faço jantar e almoço para o dia seguinte termino a cumprir a promessa que tinha feito aos meus pés, de ainda hoje os mergulhar na água da ria. 



Um abraço peregrino, Samuel Santos. 

domingo, 6 de setembro de 2015

Dia 5, De Valença a Pontevedra, ~60km, O Pápa-Léguas.

   A hora não fugiu á regra e hoje por ter dormido numa silenciosa camarata estava com o merecido descanso feito. Levanto-me como todos já tinham feito, desço a cozinha ponho a conversa em dia e como normal sou eu quem fecho a porta do já vazio Albergue de nome São Teotónio lembrando o santo padroeiro nascido a 1082. 
   

   Tal como esperado entro na muralha, mesmo sendo domingo às ruas estão ainda vazias e deparo-me não só com a beleza do lugar mas também com o arquitectura maquiavélica deste forte fronteiriço, antecâmaras com janelas minúsculas juntos aos portões duplos que intimidariam qualquer invasor, e onde se nota que qualquer tentativa de invasão deixaria o inimigo muito mal tratado. 


   Desço e chego a ponte velha, construção de engenharia Eiffel, um tubo quadrado em vigas arrebitadas assente em 4 pilares de pedra, no piso inferior passam os carros e nas laterais uma passerelle para peões, por cima uma linha férrea. 


   Entro em Tuy e subo ao centro histórico, também de seu encanto mas mais vila que muralha. Visito umas quantas igrejas de rompante e sigo no caminho. 


   Vou passando alguns grupos de passada e etapas mais curtas até chegar a um bar familiar de nome "O Chiringo", plantado num jardim, a ideia como sempre seria de seguir mas ao ver que aí estavam alguns dos colegas mais comuns doí-me ao luxo de parar para  um café, carimbar a credencial e trocar dois dedos de conversa. O António, rapaz para a idade do meu pai, apareceu apenas no dia anterior mas pelo pausado falar e sabias palavras dava para ver que estava perante alguém com um pouco do conhecimento fora do geral, com ele fiquei um pouco mas como a minha etapa era longa segui. 



   Por motivos de conforto o traçado original do caminho foi alterado afim de tirar as pessoas de um longo complexo industrial, boa aposta uma vê que a paz do passeio compensava de longe o betão do antigo caminho, serpenteando um rio nos últimos km e terminando mesmo á porta do Albergue de O Porriño, onde maioria das pessoas ficavam e pelas 13:30 já tinha fila de espera.... 18 km estavam feitos e a minha meta estavam a 18 km mais ( pensava eu). 


Atravesso O Porriño e decido parar apenas onde houvesse um ponto de água, embora não tivesse reparado em nenhum até aqui, certo é que muito tive que caminhar, aqui e ali já me ia degustando com maduras uvas tintas, brancas e figos, ao sair da figueira tinha uma mesa a sombra com o primeiro ponto de água que tinha visto, estavam cerca de 30 graus e já contava com perto de 25 km nas pernas. Aí parei para comer o que carregava, a sobra da lasanha de ontem com umas chips, cenoura á dentada e chá de limão. Com o peso transferido da mochila para o estômago faço chego rapidamente a Mós. 


   O albergue em Redondela era já por mim conhecido mas apenas de passagem, tendo eu curiosidade de pernoitar nele, um edifício caricato no centro do lugar mas nesta etapa não me saía da ideia a sugestão feita pelos hospedeiros em Valença (aos quais se lerem este artigo lhes agradeço a meia hora de conversa), existe um novo caminho mais longo que se chama a "via espiritual" e a minha mente magicava uma maneira de a fazer.... exagerando nos kms hoje poderia cumprir esse caminho dentro do meu prazo, isso queria dizer juntar 18 aos 36 dando a módica quantia de 54 km e tendo eu de dar ao pé até as 21 horas.... a ideia parecia-me louca mas todavia possível e tal como sempre dizia aos outros colegas do caminho "há que sofrer para que a oferta seja válida" caso contrário é um esforço em part-time bem abaixo das nossas capacidades. 


   Chegado a Redondela o albergue estava completo, carimbo, encho a garrafa e sigo para oferecer então este sacrifício ao Santo, confesso que a ideia inicial deste caminho é de agradecer pela saúde que tenho, então há que usar-la ao máximo como sinal de oferta. 


Uso um pouco daquilo que vejo e penso tirar a pequena mochila da comida de trás e metê-la á frente, assim compenso o peso das costas e posso comer enquanto caminho, tinha então pelo menos 3 horas de passo largo, assim fiz, gostei e pondero fazê-lo mais vezes se necessário, os pés sofrem o mesmo mas folgam um pouco os abdominais e as costas por ir mais equilibrado. 


   Do lado espanhol muitas das indicações do tem por baixo a distância que falta até Santiago, tem o seu lado bom mas no geral é tortura e tento ao máximo desviar o olhar para essa informação, o mesmo acontece com as horas porque me quero perder no tempo, e para que isso acontecesse não trouxe relógio de pulso nem GPS, hoje dei por mim a pensar que horas seriam e o meu palpite foi 8:20 da tarde, puxei do telemóvel e vi que falhei por 3 minutos. 




   O sol já ia baixo e escondeu-se, as pernas num ritmo quase perpétuo permitiam avançar miraculosamente com a frescura da manhã e na ideia apenas pedia ao Santo que tivesse lugar no albergue, chego eram 21:15 quase 12 horas depois de iniciar estes certamente quase 60 kms tendo em conta o desvio de O Porriño e vejo a cara de espanto dos hospitaleiro pois já tinham fechado a conta antes as 22h previstas, quando lhe pergunto se tinham cama recebo um sorriso dizendo "quedan duas", a minha é a que sobrou. Como já era tarde e tinha comigo apenas uma lata de atum com umas bolachas e limão para um chá procuro uma massa ou arroz de sobra na cozinha e pela primeira vez não havia nada de sobra, valeu-me uma senhora que me ofereceu uma deliciosa tortilha. Escrever umas linhas e dormir que certamente dormirei bem de cansado. 



Um abraço peregrino, Samuel Santos. 

Dia 4, Ponte de Lima a Valença, 38 km em silêncio.

   7 para as 7 alguém decide pelos 18 do quarto e atreve-se a acender a luz, escusado será dizer que a partir daí ninguém dorme. Luisa pede-me um favor que aceito sem pensar, de a acompanhar nos primeiros kms mas sem falarmos, apenas tinha que tomar o pequeno almoço e seguir, partilho o pouco que havia. 
   Á saída da porta um sol radiante é uma salva de foguetes fizeram-me sentir não apenas abençoado mas também gente importante, seguimos por uma rua que no fundo tinha um nobre portão que guardava uma propriedade de muro baixo. 


  Desde dai seguimos sempre a cota de um rio mas este não corria em plano, subia íngreme pela serra acima. Chegando á povoação de Arcos, talvez por ser fim de semana, ouvia-se dos alto-falantes de uma igreja uma barulhente e distorcida música "pimba".  Paro para umas carcassas e queijo, bananas e permiti-me comprar um bolo no café,  pela primeira vez falei com o senhor do café, desde que começamos que eu e Luisa tínhamos por acordo não falar, apenas ficar em presença.

   A montanha ia a meio e tínhamos que a vencer, dai para a frente o trilho inclinava de tal forma que tínhamos que usar as pedras como degraus, planos inclinados á meia esquadria que quase poderiam ser escalados de 4. Chegamos á conhecida cruz de pedra para a qual eu trazia uma castanha que encontrei quando vinha com Alberto faz dois dias como oferta, deixei-a e seguimos. 




   Chegando ao topo todo o contemplamos à vista como prêmio é quebro o silêncio, convido Luisa a lanchar. Aí estavam um grupo de brasileiros, chegaram outros 3 americanos e 3 eslovacos, no fim do lanche despeço-me de surpresa de Luisa e digo-lhe que está entregue á montanha e peço-lhe que prometa que fica no albergue seguinte em Rubiães uma vez que ela tinha desmaiado no dia anterior, sigo o meu passo largo pois ficarei 19 km depois de Luisa. 




   Os 30 graus previstos faziam presença mas o caminho foi feito sem qualquer percalço, talvez por ter iniciado o dia um pouco abaixo do meu ritmo, a estrada era uma antiga romana, recheadas de fontes e tanques de lavar roupa e capelas, isoladas e quase sem trânsito haviam mais peregrinos que carros até chegar a Valença, onde antes do albergue páro noutro super para ter comida para o jantar, que teria que compensar o falso almoço. Pela noite decido ir dar uma volta pelas muralhas e fico com pena não ter vindo durante as horas de sol, terei oportunidade de voltar a passas nesta encantada cidade muralhada amanhã quando iniciar a marcha. 



um abraço peregrino, Samuel Santos.