Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Dia 7, Vilanova de Arousa a Padron, 30 km em orientação.

   Desperto num silencio fora do normal, olho pela janela e como já era de dia seria bem mais tarde que o usual. Recordo a sinfonia de roncares que os outros peregrinos me ofereceram até eu adormecer e desço do piso superior da camarata, olho para as horas e surpresa, 8:30, pouco depois percebi o porque desta tranquilidade... há um barco que sobe a ria e faz a etapa numa hora, estava marcado para as 11:00 e era eu o único tolinho que ia fazer os 28km a pé pois nem mesmo os 4 ciclistas a iam pisar. 
   
   Tento mexer aos poucos o bloqueado pé esquerdo, um pouco inchado a pedir um pouco de descanso mas engano-o com mais um anti-inflamatoria durante o pequeno almoço. Lurdes, cubana que mora em Londres com quem tinha trocado umas palavras no dia anterior estava prestes a sair ao mesmo tempo que eu, fazemos companhia um ao outro até ao cafe onde ela iria comer algo. 


   Saio aos poucos da vila e tal como tinha visto no mapa a etapa seria fácil pois seguia sempre a costa sul da ria estreitando para o rio onde segundo a lenda o corpo de Santiago deu a costa a montante da foz. 


   Sigo assim quase em modo de intuição, pouco ligando ás poucas setas que haviam mas coincidindo sempre com elas até Vilagarcia de Arousa onde entro numa zona industrial certamente quase toda dedicada às conservas e pescado e vejo um mural grafitado, de invocação as doenças DTS, á saúde mental e também me surpreendo com um verso de Fernado Pessoa que não apenas gostei mas também confesso que me descreve, "sou NADA". 


   Atravesso a vila e entro na estrada municipal, sem saber onde perco as setas mas deixei-me ir escrevendo uma linha, sei que a intuição me vai levar de novo ao caminho. Tal como esperado isso acontece uns kms mais à frente quando tento evitar a nacional ou outra estrada mais pequena na orientação que eu pretendo, sigo as setas mas acabo por voltar atrás uma vez que o caminho está impraticável. 


   Chego a Catoira e encontro um parque de merendas, embora não tivesse água comigo acabo por descer e no fundo encontro uma pequena fonte, tudo parecia ajustar-se para sei ai o meu momento de descanso e reposição de energias uma vez que no dia anterior tinha cozinhado a mais de propósito para hoje. Mal me senti chega-se um gato e volto a lembrar-me daquilo que tinha pensado faz dias, as pessoas são como os gatos, uns olham desconfiados e nem sequer permitem que nos aproximemos, mesmo quando lhes damos algo esperam que nos afastemos para comer, outros nem tão pouco precisamos de olhar pra eles, vêem até nós e roçam em nós de prazer... nem conseguimos agradar a todos nem todos nós agradam, mas este agradou-me e com ele partilhei o meu arroz de mexilhão, atum e cogumelos, foi a minha companhia deste agradável momento. 


   Levanto a mão ao gato em modo de despedida e sigo pela estrada secundária, que me leva a principal e decido evitá-la, por orientação escolho algo entre a esquerda e seguir em frente numa rotunda, começo a atalhar mas sem saber se faria menos ou mais kms, certo é que entro numa zona florestal, pequenos povos e orientado pela direcção da minha sombra vou suavemente até chegar ao rio numa praia fluvial que também tinha setas, isto muitos kms à frente desde o início. 

   Uma vez mais encontrei setas mas o caminho era impraticável, oriento para Nordeste e continuo por pequenas estradas. A Galiza tem paisagens muito bonitas mas nota-se diferenças sociais enormes, habitações de luxo contrastam com casas remodeladas, pormenores não acabados e remendos, paredes em tijolo tão pouco rebocadas por fora e portas sem escadaria exterior, fica o calor do povo a dar saldo positivo a esta terra. 

   Sinto que me vou acercando do caminho original e quando o alcanço fico desiludido, pensava encontrar bastantes peregrinos mas estava errado, volto a lembrar-me que maioria funciona apenas em part-time e isso era aquilo que o meu pé faz muitos km que pede... uma folga. 


   Eram quase 6 da tarde e chego a Padron, onde está sob o altar da igreja matriz a pedra que segundo a lenda amarrava a barca que veio à deriva desde a Palestina com os restos mortais do santo e mais dois apóstolos. Encontro o albergue e penso para mim, 30 km chegam pra hoje é se houver lugar pra mim fico aqui senão faço mais 10 para Teo. Estando habitado a caminhar até tão tarde achei como se fosse dia de descanso, mesmo tendo um dia já carregado... mas amanhã chego sem dúvida a Santiago e como o meu pé embora inchado deu algumas tréguas
eu cedo á sua vontade de parar. 


Um abraço peregrino, Samuel Santos.  

3 comentários:

  1. "Precisava das asas.
    Elas mostram os horizontes sem fim da imaginação,
    levam além dos sonhos,
    conduzem a lugares distantes.
    São as asas que permitem conhecer as raízes
    dos semelhantes e aprender com eles."
    ("O Vencedor está Só", de Paulo Coelho)

    Neste dia de mais uma "chegada", que todas as emoções possam ser expressas e partilhadas. Acompanho com ternura cada passo de um caminho que também me sinto fazendo.
    Um abraço peregrino

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  2. "Sou nada"...
    ..."aparte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo." (FP)
    Um abraço peregrino...nesta complexidade de ser.

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  3. Hola querido Samuel, me alegra leer que terminaste tu ruta. Eres un peregrino muy perseverante. Me alegra mucho conocerte y leer tus viajes en tu blog. Un abrazo y ¡Hasta pronto! Lurdes

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