Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















domingo, 26 de setembro de 2010

Dia 11. Primeiro desafio Alpino, Passo della Cisa.

Sábado, 25 de Setembro de 2010.

Abro os olhos antes do despertador pensando que já era tarde porque pela janela entrava bastante luz com os tons de azul. Tomo o pequeno almoço e aproveito para verificar se a rede que tinha encontrado no dia anterior à porta da casa diocesana tinha net ou não, por sorte tinha.

Enquanto postava o dia de ontem chega a mesma irmã que me tinha recebido no dia antes e conto-lhe o que estou a fazer. Ficou maravilhada e então disse-lhe também que poderia acompanhar. Sem perder tempo chamou outra irmã que já entendia “destas coisas da internet” para falar comigo. Dei-lhe o endereço e ficamos a falar um pouco.

Pouco depois começo dia:olhando para o mapa penso em abdicar da praia (que estava próxima) e vou direito a Carrara mas em vez de ir plano... a estrada faz-me subir 200 metros. Tenho tempo para observar a zona... com a farta chuva que caiu no dia anterior o ar estava húmido, com as beiras a jorrarem água, a vegetação que era imensa e verde.



Com o início do escarpado dos Alpes logo à minha direita (mas a cerca de 4 km) sinto-me na minha adorada ilha da Madeira... um abraço para a Madeira, está aí alguém?

Carrara era mais uma pequena cidade que se compara aquela de onde parti, talvez um pouco maior, com as pedreiras ao alcance da vista no topo dos cumes, dando a ideia que estavam cobertas de neve, tão branco é seu mármore.



Paro na catedral para carimbar o passaporte e surge-me uma senhora pequena fazendo justiça ao significado do nome que tinha em hebraico, Paola. Recordei-me do peregrino Paolo com que me cruzei à uns dias e com quem troquei conversa e tirei fotos. Voltando à senhora, encontrou-me na sacristia que estava fechada e acompanhou-me até outra igreja. No caminho contei-lhe um pouco da viagem e dos sítios por onde já tinha passado e quando chegámos tive que esperar um pouco que o padre carimbasse a minha passagem. Enquanto isto, os seus olhos brilhavam de espanto e alegria até que me disse que estar comigo lhe tinha iluminado o dia e convidou-me a almoçar! Quem me conhece bem sabe que eu aceito quase sempre um convite mas este tive que pedir desculpa e não aceitar, por correr o risco de me encurtar o dia. Mas dei-lhe o endereço de blog para que ela acompanhasse também.

Quando o padre voltou deu-me a sua bênção e os parabéns por tamanha peregrinação, e quando me vou a despedir de Paola ela dá-me uma oferta para ajudar a viagem, e pediu que aceitasse. A oferta dela foi oferecida no albergue onde passei a noite seguinte, obrigado Paola!

Sigo caminho para fazer uns kms mais antes de almoço e fui até Aulla. Nessa vila quase fantasma, ao contrário da maioria, não encontrei o centro histórico com muito lixo pelo chão e como estava na hora por aí almoçei. Daí em diante o caminho ficava num vale bem marcado e até à próxima paragem os sinais indicavam 24 kms. Muito disfarçadamente vou subindo com 2 paragens pelo meio para a deliciosa fruta da época, uvas e figos!



Passo por Villafranca mas reparo que esta não é vila de touros e toureiros, talvez de pastores e ovelhas pelo cenário alpino onde estava enquadrada. De seguida Pontremoli - nesta vila tenho de decidir se paro com 80 kms feitos ou se sigo, uma vez que 25 kms depois tenho outro albergue. Decido seguir. Passando pelo centro vejo um cortejo medieval que mais parecia um concurso de 2 grupos mostrando suas músicas de trompetas e tambores, com figurinos manuseando bandeiras, muito diferente de tudo que já vira e digno de se ver!

Mas fazia-se tarde e tinha que seguir sem saber o que me esperava... dos 500 metros de altitude vou subindo, subindo, em estradas ao zig-zag onde vários grupos de motos passavam a desfrutar da estrada. Eu também ia, mas com fios de suor a escorrer! Uma coisa era certa: quanto mais subia melhor era a vista... até que me convenço que aquilo era trabalho para fazer no dia seguinte. A etapa de hoje ficava por alí, pois o cume da montanha estava cada vez estava mais fechado, o que significava que não havia passagem baixa, tinha que ser no topo.

Uns milhares de castanheiros mais acima eis que alcanço o Passo della Cisa, a 1041 metros, e que não só divide a região de Toscana de onde vinha para a Emília Romana mas também mudo de "distrito" de Lucca para Parma. Nesse topo percebo também a razão de tanta moto: um camião de uma marca de motos estava lá e parecia ser aquele o ponto de encontro de um passeio. Já se fazia escuro e eu ainda tinha que chegar a Berceto. Do outro lado a inclinação era mais tímida e com o frio que fazia tinha que ir pedalando para não arrefecer. Tive a noção de aquele ter sido o primeiro desafio alpino a ser transposto! Para os meus amigos que comigo andam de bicicleta sabem bem que mil metros de acumulado para mim é coisa de pequeno almoço, mas a jornada hoje teve seguramente perto de 2 mil, com a dificuldade de a bicicleta em vez de ter aquele som característico ôco das bicicletas de estrada (em carbono, que apenas pesam 6 kgs), ser uma de aço com pneus mistos e alforges que no total deve pesar uns 22 ou 24 kgs.

Segui estada abaixo até à casa della gioventú parrocchiale e quando a encontro as 19:25 vejo que estava completamente fechada e começo a temer o pior... para ajudar ou não, o telemóvel estava sem bateria! Penso em entrar numa pizzeria para comprar o jantar e ligá-lo e encontro um casal que me valeu, pois disse-me onde era a casa do pároco Guioseppe. Rapidamente fui até lá e pedi-lhe mil desculpas pela hora... justifiquei-me com a dura etapa mas o sorriso dele dizia que não me preocupasse, mostrou-me o sítio onde iria ficar e saiu. Estava tão cansado e frio que tomei banho, comi do pouco que tinha e deitei-me.

Um abraço peregrino,
Samuel Santos

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