Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Dia13. Hoje foi dose...

Segunda, 27 de Setembro de 2010.

Ontem o dia foi muito relaxante na pacata vila de Berceto.



Na praça da igreja apanhava uma rede wi-fi que me deixou carregar algumas fotos no facebook para além de ter actualizado o blog sentado ao sol... hum, e eu que adoro o sol! A ligação não era muito estável caia constantemente daí não ter visto a minha caixa de mail mas mesmo assim consegui ver os comentários... Obrigado santix, um bttista do norte - com tanto acompanhamento sinto-me tentado a conhecer-te quando de Santiago for para casa. A todos os outros que acompanham, mesmo que não comentem, podem sempre fazer um convite. Se calhar no caminho haverá sempre tempo para um café.

Às 16:00, como o convite à população anunciava, missa em honra a Don Giuseppe (e assim deveria ter escrito antes, aqui fica a correcção pois por telemóvel não consigo alterar os posts). Foi muito bonita a manifestação popular por toda a dedicação a este pároco, que durante o seu exercício (sempre nesta formosa vila) fundou a casa da juventude onde dormi, restaurou a igreja e dinamizou também as estruturas de apoio ao peregrino fazendo deste sítio uma vila etapa.

No final da missa um cântico com as crianças e à saída todas elas se meteram numa carrinha de transporte 9 lugares (pareciam sardinhas em lata!). A carrinha estava embrulhada e era mais uma prenda ao pároco e à colectividade.

Segui-se o banquete na sala maestra da casa da juventude, uma sala circular bem grande sem qualquer apoio no meio. Havia comida de sobra, não os nossos tradicionais frangos e leitão assado mas sim bolos, tartes e quiches! Dava para todos mas eu confesso que ao início não me sentia muito enquadrado e retirei-me um pouco. A minha roupa casual e de tom gasto contrastava com a demonstração de moda que toda aquela gente ostentava... e eu que não sou nada de vergonhas...

Só no final, quando já muita gente estava de saída é que me aproximei. Mesmo assim muita gente pensaria quem seria era aquela figura alta e esguia, até que me sentei e só um tempo depois quando toda a gente estava a parar é que tive coragem de me aproximar da mesa e comer algo, partilhando desta forma do convite que a todos era feito. Passado um pouco, talvez por me ver só, aproximou-se o presenteado padre e conversou um pouco comigo, disse-lhe que iria deixar o donativo que Paola me tinha oferecido no dia anterior e ele recusou. Acabei por lhe deixar um postal de Roma a agradecer (aqui fica a correcção daquilo que disse antes mas prometo que direi onde vou deixar o donativo). Apresentou-me a mais gente e quando dei por mim estava no grupo das pessoas que estavam a organizar a festa trocando experiências. No final fizeram um canto em coral que eu registei, despedi-me deles e desejaram-me boa viagem. Foi muito bom este momento!

De volta ao quarto alimentei um pouco mais o italiano com o guia que tinha comprado e dormi.

Na manhã seguinte... se o solarengo dia de ontem convidava a andar e eu repousei hoje chovia e fiquei sem saber que faria. Estive mais de uma hora até que me decidi vestir tudo o que tinha e fazer-me à estrada! Calças, t-shirt, casaco, corta-vento, impermeável, luvas completas, óculos e protecções de sapatilhas e acham que chega?


Vejam o resto... Fiz-me à estrada chovia um dilúvio, de Berceta até Cássio desci aos 750 metros e voltei aos 1000, apenas via entre a pala do capacete e os óculos na ponta em nariz que me protegia dos pingos que saltavam dos pneus. Fiquei com pena não ver a vista das terras por onde passava mas em Cássio havia um anúncio ao "salto em diabo" que me pareceu ser nada mais nada menos que uma enorme escarpa de onde de certeza se podia fazer base jumping... quem sabe um dia...



Daí em diante pensei que a descida fosse a minha boleia para sair do ambiente de montanha. A experiência que ganhei no geo-raid que participei no ano passado dizia-me que o tempo que faz em altitude pode não ser o que se faz no sopé da montanha (obrigado Queirós por este ensinamento). Mesmo assim a descida foi dolorosa, pouco mais encontrei do que meia dúzia de carros, um furão e dois peregrinos também totalmente equipados para a chuva.

Os travões por terem apanhado lama no sábado estavam vidrados e por mais força que fizesse eles apenas abrandavam... tive que parar para raspar os calços em tijolo para que não gastassem as jantes, estas já estavam completamente em cinza escuro do alumínio gasto. O resultado do trabalho foi melhorar em muito a travagem. Duas horas depois chego completamente gelado a Fornova, no fim da descida! A chuva pára e eu continuo para ver se aqueço, passo por mais um grupo a pé de uns 5-6 peregrinos. Pouco depois tiro o impermeável, as luvas para secar o que estava por dentro pois já estava a aquecer um pouco.

Sorte ou não, uns kms a frente começa de novo a chover e eu aproveito o alpendre de uma capelinha para almoçar! Foi dos sítios mais caricatos que escolhi, pois tento escolher sempre um no centro de alguma povoação. Meia hora depois, almoço tomado e chuva parada, sigo até Fidenza. Ao contrário do que pensava era uma cidade quase fantasma, com alguma indústria mas parecia eu que tinha mudado de país... ruas quase vazias e o pouco que preenchia parecia ser muçulmano... enfim, procurei algo de especial, não encontrei e segui.

Parei num supermercado um pouco mais além, comprei vinho (hummm...), presunto e queijo. Tenho que me alimentar pois, tal como me dizem por sms, estou magro. À saída estava um rapaz, Luigi que reparou na bandeira de portugal que trago num dos alforges e me perguntou quem era e porque tinha a bandeira. Falei com ele um pouco. Embora italiano conhecia muito da cultura portuguesa e ele próprio também era um viajante, pois conhecia bem mais que eu... parabéns Luigi pela tua experiência, gostei muito de te ter encontrado!

Pensando eu que apenas fazia mais 10 km, decidi continuar por ser cedo, passo por Piacenza e aí sim voltei à Itália que conhecia, ruas cheias de gente sempre na moda, palácios e edifícios históricos... grandiosa mesmo! Mesmo assim por me sentir bem decido continuar e ir até Calendasco, 15 km depois. Pela beira da estrada reparo que nas rotundas haviam tomates no chão e paro para ver se estavam bons. De certezam que caíram ainda verdes pois estavam com bom aspecto e apanhei uns 8 pequenos, não por necessidade mas sim pelo engraçado da ocasião.

Na chegada a voz que me responde pelo intercomunicador da casa onde tinha a informação que recebiam peregrinos diz-me que apenas albergavam pessoas do estado... talvez tenha entendido mal. Não tive remédio senão seguir mais 30 kms numa jornada que já estava mais que completa estava! Não sei como, talvez pelo descanso do dia anterior e também por ser sempre plano, com algum esforço se fez os 30 kms mais até Santa Cristina até ao oratório que tinha o mesmo nome do pároco do dia anterior, e querem saber mais? Don Antonio que foi quem gentilmente me recebeu com uma simpatia enorme. Já era noite escura fazia nesse dia 30 anos de pároco também... coincidência ou providência? Pensei comigo, afinal todo este esforço extra não tinha sido em vão tal foi a forma que fui acolhido. A festa dele apenas será no próximo fim-de-semana.

Tomei o merecido duche quente, jantei e fiz-me ao descanso depois de escrever este artigo. Os 150 kms de hoje não permitem muito mais...

Um abraço peregrino,
Samuel Santos

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