Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















domingo, 3 de outubro de 2010

Dia 17. "Col du Grand Sant Bernard".

Sexta, 1 de Outubro de 2010.

Acordo, mas desta vez com a sensação de estar em casa. Olho pela janela recordando que na noite anterior quase tinha pedido que chovesse bastante para ficar aqui mais um dia e dar ao corpo o descanso que ele tanto pede... mas estava sol! Como bem pois sei o que me espera e vou despedir-me de Grazziela à recepção e agradecer-lhe pela hospitalidade. De donativo entrego o que Paola me tinha dado na terça-feira (desde então que tenho dormido gratuitamente).

Faço-me ao caminho e rapidamente noto que algo estava diferente, tinha força mas pernas coisa que tanto tinha pedido a Deus no dia anterior... juntamente ao descanso, à alimentação e às massagens tinha de novo pernas para andar, embora a etapa de hoje ir rebentar com elas de novo. Fui subindo pouco a pouco, vendo os picos das montanhas rasgando nuvens e quanto mais subia... mais maravilhado estava, as casas iam começando a ter a arquitectura típica alpina com bonitos e coloridos jardins, e os vales eram cada vez mais profundos.

Uma hora o meia a pedalar depois chego a Saint-Oyen e como um chocolate ao lado de uma fonte cuja água era bem fresca e saborosa. Subindo um pouco mais reparo mas montanhas: aqui Deus foi caprichoso em demonstrar a sua capacidade artística, mas a nós homens, deu-nos a capacidade de poder escalar e contemplar a sua obra.



Mais acima Saint-Rhémy. Paro novamente para ingerir mais umas quantas calorias frente à igreja, da qual estavam a sair os habitantes. Entro no final para carimbar a credencial de peregrino e à entrada vejo uma fotografia de Lúcia e Francisco de Fátima. No interior, à conversa com um senhor e com o padre Rafaello confirmo que sim, a foto é de Fátima. Digo-lhes que vou passar por lá durante a peregrinação, explicaram-me que eram devotos a Nª. Sra.de Fátima e que este dia era o do santo padroeiro da aldeia... mais uma coincidência!Mas aqui ainda tinha apenas 1600 metros de altitude... tinha muito que subir ainda e continuei.

Aos 1800 metros vejo a entrada para o túnel que faz também de fronteira e pelo caminho acima, em curva contra curva, passam grupos de motos mas bicicletas nada... Encontro o refúgio que julgava ser o que Grazziela me tinha falado mas estava fechado. Aqui também alcanço o nível onde havia neve, embora pouca, mas via-se bastante mais no topo das montanhas. O próximo abrigo da lista ficava a 2450 metros de altitude, só quando chego ao topo é que o encontro. Estava aberto mas abandonado, com cozinha e camas. Confesso que pelo stress e pelo frio que se começava a sentir já não pensava nas melhores condições... os 2000mts de acumulado não perdoam embora o céu estivesse limpo.

Aqui a paisagem era magnífica... os picos mais elevados, que ao início pareciam altíssimos começaram a ficar só altos... depois estavam apenas um pouco acima... e aqui alguns deles já tinham sido superados! Mesmo assim ainda havia alguns a superar e com bastante neve.



O albergue, ou melhor o Hospício era um edifício cuja história é tão grande quanto o monte Grand Sant Bernard. Faz parte da ordem religiosa do santo que dá nome ao cume e foi inicialmente construído em 1050. Hoje alberga não só peregrinos mas também gente que passa e grupos que fazem retiros espirituais.


Nesta altura estava um grupo de seminaristas. Tal como me disse o jovem padre Frederic, uma das 4 pessoas que lá habitam permanentemente, "a porta está sempre aberta a todos e não tem fechadura", eu próprio confirmei! Fiquei numa camarata, na altura sozinho, tomei um duche e fui dar uma volta pelo local. Descubro que antes de construírem o refúgio a mando de Bernard, Arcebispo de Aosta, havia uma estrada romana que Napoleão no século 18 melhorou com os 46 mil homens que tinha nesta região. Os conhecidos cães São Bernardo são originários daqui. Mais tarde participo na missa, convidam-me a jantar e fiquei ao lado de 2 homens, que venho a descobrir ao deitar que eram colegas de camarata. Eram 20.30 h.

Um abraço peregrino,
Samuel Santos.

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