Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















terça-feira, 5 de outubro de 2010

Dia 19. Ciau Itália!

Domingo, 3 de Outubro de 2010.
Ciau Itália! Embora o hospício fosse já na parte suíça a fronteira estava ali a 2 passos. Hoje deixei para trás esse histórico país. Adeus vilas históricas, adeus monumentos, adeus país onde virar à esquerda é coisa sinistra...(esquerda em Itália diz-se sinistra).

7 da manhã mais uma vez para oração e pequeno-almoço a seguir.


Mesmo assim hoje ainda me sentia cansado, sem energia e não sabia se isso era efeito da altitude ou do cansaço. Ao preparar as coisas para sair vejo que lá fora caiam uns pingos e não se via um palmo... pensei logo que não iria desfrutar da descida.

À despedida o padre Frederic disse que durante a noite a temperatura tinha descido um pouco abaixo dos zero graus (ele sabia, pois é ele que envia o relatório para o centro de previsão de tempo). Disse-me também que aquele nevoeiro era apenas local e que mal iniciasse a descida que passava. Despeço-me dos restantes conhecidos, visto-me como se fosse para a chuva e lá abandono eu este local divino.

Descida abaixo com o vento a favor desaparece o nevoeiro e rompe o sol num azul celeste completo, mesmo assim o equipamento impermeável dava jeito porque estava gelado em altitude. Chegado aos 1900 metros alcanço a saída do túnel e faço uns 8 kms sempre dentro de uma via coberta, como que um túnel para prevenir a neve. Quando saí havia o vento era fortíssimo a meu favor - cheguei a andar a 40 km/h sem notar o vento o que significava que ele se movia também a essa velocidade. Não me fiquei por aí pois cheguei a atingir os 70 km/h, se bem que, quando a estrada virava para trás devido ao desnível eu quase parava mesmo em descida com o vento de frente. Ia gelado, tinha que dar aos pedais enquanto descia mesmo sem desmultiplicação para aquela velocidade. Rapidamente fiz 20 kms e parei para comer chocolate suíço que tinha comprado na loja do hospício.

Contínuo serra abaixo e chego a um local onde me sentia no fundo de 2 abismos, tal inclinadas eram as 2 faces das montanhas à direita e à esquerda! Apenas cabia um riacho e a estrada às vezes, porque aqui e alí a passagem era em túnel.


Contínuo assim uns 10kms até que abre um pouco e nessa zona (uma espécie de T de abismos) havia uma vila de nome Sembrancher (vejam no google earth os abismos!). Contínuo até Martigny onde encontrei net para carregar o blog. Havia uma grande feira mas de entrada a pagar, decido dar uma volta e comer qualquer coisa. Encontrei um macDo...alds e lá fui eu tentar comer um burger só que não aceitavam pagamentos com cartão... bah! O primeiro impasse de moeda diferente e para ajudar o multibanco em frente não dava francos nem encontrei mais nenhum... Continuei e mais à frente rapei quase tudo o que tinha nos alforges.

Os abismos aqui afastavam-se um pouco mais e a descida continuava discreta. Apanhei uma valente boleia do vento que estava e tinha tempo para tirar montes de fotos (tal como na subida de Aosta) com o sol nas minhas costas - as imagem capturadas do meu telemóvel pareciam de uma máquina profissonal. Além disso ia observando a paisagem: as rochas tinham formações retorcidas tal a força a que tinham sido sujeitas aquando a sua formação. O vale ia abrindo até ter uns 4 kms de distância. A Suíça é considerada um país rico mas aqui também se cultiva: ao início kms e kms de milho, depois começaram as vinhas de deliciosas uvas que eu provei por não ter água, e os vinhos que tinha provado no hospício também eram muito bons mesmo! Um pouco depois encontro centenas de castanhas no chão e apanho algumas para tentar assá-las ao final do dia (onde descobri que eram amargas como tudo!)


Nesta altura já se via o fim do vale e o vento que tanto me empurrou agora estava a virar contra. Segui até Villeneuve onde começava o Lac Léman, ou como eu sempre disse para mais fácil identificar, o lago de Genebra, que fica na ponta oposta àquela onde me encontrava. A estrada leva-me à beira do lago e pelos passeios havia gente por todo lado. Aqui e ali ouvia-se falar português, gente de bicicleta, em patins e trotinetas, aquilo que para nós infelizmente é coisa de garotos aqui eram os adultos que utilizavam. Continuo sempre beira lago numa estrada marginal cheia de lojas, restaurantes... passava pelo centro de outras vilas e novos cais e zonas ribeirinhas, um regalo para a vista! Pelas ruas carros de grande cilindrada com alterações muito interessantes, viam-se mais topos de gama que utilitários. Como se diz em inglês "expensive toys" para adultos...



Cada vez que olho atrás tiro uma foto pois a vista é fabulosa: o lago com as enormes montanhas com neve nos picos e do lado oposto França, zona de Evian cuja água mineral é das mais caras que eu conheço. Chego a Lausanne (o meu ponto de chegada), dou uma volta e vejo a catedral. Numa praça abaixo a típica feira de velharias,como os franceses, os brocantes.


Mas rapidamente procuro o mais importante, onde dormir! Dirigo-me à paróquia de Santa Teresa onde ao bater à porta aparece um jovem padre um pouco espantado.Só depois percebi que ele estava de saída, quem acabou espantado fui eu no final com tanta hospitalidade! Levou-me às salas de catequese e aí fiquei com acesso à cozinha. Deixou-me tomar banho em sua casa casa e ofereceu-me pão, uvas, um queijo suíço, uma carne seca fatiada como presunto e um iogurte para além de vales de compras num supermercado no valor de 20 francos... enfim, obrigado padre Olivier! Disse-me que Samuel era o nome que sua mãe tinha pensado para si e disse também que este dia era o da festa da santa padroeira... mais uma coincidência! Levou-me à igreja e como estava um pouco apressado partiu. Eu voltei ao local que ele me tinha designado, jantei, lavei a roupa e descansei.
Um abraço peregrino,
Samuel Santos

1 comentário:

  1. Olá Samuel!

    Tenho estado a acompanhar esta tua grande aventura não gostasse eu também de aventuras. Acabaste de passar pelo Col do Grand S. Bernard um dos muitos cols grandiosos que os Alpes têm.

    Conheço muitos deles, já os passei de passei de bicicleta e são todos deslumbrantes. A região alpina é toda ela muito cénica. Tenho no meu cadastro uns 10.000 km de passeios de bicicleta por essa região onde estás a passar.

    Em breve estáras em França. Conheço muito bem esse país pois vou todos anos aí pedalar pelo menos 1000 km no mês de Agosto. Já a suiça não conheço mas conto lá ir para o próximo Verão.

    Tenho estado a seguir o roteiro com muito pormenor pois tenho um mapa da Michelin da Itália. Também vou ao Google Earth.

    Uma sugestão. Podias colocar no blog a distância diária percorrida e a distância acumulada. É apenas uma sugestão. O teu relato segue, desde o 1º dia, uma determinada filosofia que não faz sentido alterar pois está muito bem assim!

    Continuação de uma boa perigrinação!

    Desidério

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