Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















domingo, 3 de outubro de 2010

Dia 15. Alpes à vista!

Quarta, 29 de Setembro de 2010.


Oiço os sinos às 7 da manhã como se estivessem dentro do quarto e já não consigo dormir mais. Riou, o outro peregrino, levantou-se e num ápice estava pronto a sair - perguntei-lhe onde iria comer e como respondeu que ia a um café ofereci-lhe do que tinha: cereais com café ou cacau, pão com mel e bolachas... ele aceitou e escolheu os cereais. Ficamos um pouco mais na conversa até que descobri que ele já quase tinha chegado a Jerusalém e agora estava a fazer o mesmo que eu... mas a pé! Fazia da vida dele uma grande peregrinação (foi o que me pareceu) e ofereci-lhe casa quando ele chegasse a Fátima lá por alturas do Carnaval. Ele seguiu e de seguida segui eu, estrada fora ao sol mas com a temperatura baixa, talvez uns 10 graus.

Avisto no horizonte bem definida a silhueta alpina, tal como como se vê a Serra dos Candeeiros do Sítio da Nazaré. À minha frente, com uns 45 graus de inclinação a lua, que terá sido nova durante a noite e agora mostrava-se no imenso azul celeste. Começo a imaginar... Alpes à vista, é melhor poupar-me! Decido pedalar em ritmo de recuperação mas até isso me custou. Com o desgaste dos dias anteriores lá me fui arrastando planície fora.

Nos kms e kms de campos de arroz é época de colheita! As enormes debulhadoras, juntamente com o cheiro a palha cortada fazem-me recuar no tempo até à idade em que meu pai também tinha uma, mas de trigo.

À direita tal como na esquerda tenho noção que consigo ver os Alpes até longissímo... a calcular os kms que fiz desde a saída de Milão (e com a qualidade com que a atmosfera permitia ver) julgo que não será exagero contar com 250 km de cordilheira ao alcance da vista . Até porque aquilo que perto parecia só foi alcançado ao final do dia, com 70 km percorridos! Com algum esforço contínuo, mas sem razão aparente, pois a planimetria em terreno era tão perfeita quanto um espelho de água. Dou-me conta que por uns 200 kms não tive subida nenhuma que deixasse memória, talvez desde Piacencia.

Mais tarde venho a descobrir que a zona se chama "La pianura del riso".Cada vez que passa uma scooter por mim faz-me recordar quando andava de motorizada devido ao cheiro a óleo de mistura sintético que tantas vezes tenho sentido aqui desde o dia da minha chegada. Encontro uma loja de desporto e entro para comprar umas calças, pois as que tinha estavam a precisar de reforma...

Almoçei mais um pic-nic em Cavaglià e pouco depois encontro um lago, o Lago de Viverone com uns 2 kms de diâmetro, uma pequena marina e uma zona de lazer. Como o almoço não estava a fazer grande efeito parei para comer a sobremesa, pão com mel e café pois o meu problema podia ser falta de açúcar. Sigo até Ivrea, a cidade que eu considerei como a porta dos dos Alpes, já com os habituais 70 kms feitos. Dou uma pequena volta... a cidade era bonita, semelhante a algumas vilas que tinha passado, apenas se destacava o rio com as suas pontes porque em termos de centro histórico não era nada de especial. Encontro net num largo e aproveito para descansar enquanto carrego o blog com os arquivos e o facebook com fotos. Depois sigo, bebo uma cola para dar a energia que teimava em não aparecer.

Deixo a Região de Piemonte e Lombardia, entro na famosa Região Vale da Aosta, um vale glaciar! Aqui o cenário muda completamente, as escarpas de ambos os lados fazem-nos olhar tão para cima que faz doer o pescoço. Como na ilha da Madeira são cultivadas com vinha em socalcos. Entre as montanhas um vale entra pelo maciço aos S's, com um rio no centro e pequenas aldeias ora aqui ora acolá. Numa delas, Donnas, chego cedo com apenas 85 km mas decido procurar abrigo para mais uma noite e assim repousar para estar mais forte amanhã. Sou recebido por Don Ricardo, padre desta paróquia. Homem pouco dado a transmitir muitas emoções, percebi que ficou espantado comigo mas fiquei sem saber se foi por boas ou más razões... Ofereci-lhe o endereço do blog ao que ele agradeceu e disse consultar depois. Mensagem para Don Ricardo: se ler este artigo comente o que achou deste blog, obrigado.

A todos quantos tem enviado mensagens, obrigado, sabe sempre bem recebe-las. Eu vou respondendo com toques uma vez que o que se passa por aqui vou escrevendo.

Um abraço,
Samuel Santos

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