Amir Klink

"Um homem precisa de viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens ou TV. Precisa de viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio tecto. Um homem precisa de viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver." Amir Klink















terça-feira, 19 de outubro de 2010

Dia 33. Puerto de Cize.

Domingo, 17 de Outubro de 2010.


O aviso era claro: pequeno almoço as 6:30, e também no descritivo que nos tinham dado à chegada "sair cedo" eram as primeiras palavras, mas mesmo depois do pequeno-almoço (até as 7:30) ainda era de noite...

No dia anterior tinha falado com o meu pai por sms para tentar encontrá-lo em Pamplona na terça-feira. Como estava a apenas 150 kms a pressa era nula, a contrastar com a necessidade de repousar.

Aproveitei o tempo e fui à missa das 8:30 com Helmut. Foi fantástica pois era toda dita e cantada em basco e é algo surreal! As únicas palavras que eu entendi foi “Aleluia” e “Amén”, para além disso era um mero espectador a cumprir com a presença, e presenciando um espectáculo cantado pelos homens de forte voz que estavam na última fila, acompanhados pelo órgão de tubos.

De volta ao albergue bebi mais um café e despedi-me da madame Jenine, a "mãe" do albergue, que na noite antes me preparou o jantar à troca de um pão e um queijo que lhe trouxe do supermercado. Segui viagem... Pelo caminho ouviam-se as águas no riacho e o vento que fazia cair as folhas das árvores, e sentia-se também o barulho das carroças que por séculos aqui passaram.



O vale é diferente do Vale Glaciar de Aosta: este é mais estreito e as montanhas (embora mais pequenas) parecem mais altas por fecharam mais o campo de visão. As encostas são férteis e não estão nuas mas sim cravejadas de vegetação, e nas paredes de xisto postas à vista pelas máquinas que abriram a estrada vê-se o sentido ocasional das linhas da rocha. E em cada fenda brota verde! Aqui e ali uma pequena cascata, e segue a estrada suavemente mas em constante ritmo de subida. Como dizia num guia, numa inclinação calculada para o passo das mulas!



Mais um pouco de história do tal guia: no século 8 passou por aqui Carlos Magno, no 11º foi reconquistada aos mouros e o fenómeno da peregrinação a Santiago aumenta. Um dos vinte milagres atribuídos a este santo terá acontecido aqui, fazendo deste um lugar de passagem mítico.

No século 13 a cidade de Saint Jean Pied de Port aumenta bastante para receber a afluência de peregrinos e no sec.18 o lendário mapa de Cassini indica este como o segundo local mais fácil para transpor os Pirinéus. Um pouco mais tarde foi mandada construir a tal "carretera en zigzag con una pendiente adaptada al paso de las mulas".

Encontro castanhas e provo para ver se elas eram doces ou não. Pelo tamanho que tinham apanhei com facilidade mais de um kilo delas para partilhar com mais uma "botella de vino", depois conto...A meio da subida encontro novamente uma peregrina que vinha a pé da Alemanha com um carro de mão para trazer a bagagem. Muito exclusivo!



Para além disso, passo a fronteira mais uma vez sem me dar conta, pois não houve qualquer sinal que o indicasse.

Com a ajuda do vento e após umas 2 horas a pedalar, alcanço o topo "Puerto de Cize", nome muito parecido com outro que passei em Itália. A vista do vale fez desaparecer o cansaço, até porque sabia que pouco depois era o fim da etapa com apenas 30 kms. Rolei até Roncesvalles, onde encontrei o jovem belga que tinha saído mais cedo de bicicleta. Com ele almocei ao sol, coisa que do outro lado da montanha e da fronteira não havia. Enquanto esperávamos pela hora de abrir o albergue foram chegando os outros todos que vinham, e também Julian, que está a dar a volta ao mundo!

O albergue era fantástico, um pavilhão medieval todo em pedra, com o tecto alto em madeira e em todo ele 3 filas de 120 lugares em beliches com tudo à mistura. Ao princípio parecia estranho mas depois tornou-se muito acolhedor.

Às 19h nova missa, e como não há muito que fazer lá vou eu outra vez ...
Se a da manhã foi exclusiva, esta foi um concerto de órgão que me fez recordar o da igreja de Santo António dos Portugueses em Roma, com a bênção dos peregrinos no final em todas as línguas, incluindo uma que devia ser Inglês mas muito mau... he he!

De volta ao albergue foi a partilha de comida e de histórias de um grupinho que se fez. É bom ter boa companhia para compensar os dias de solidão!

Um abraço amigo,

Samuel Santos

Sem comentários:

Enviar um comentário